Cabral em Calicute
A tarefa maior atribuída pelo rei português D. Manuel ao gigante da Beira Pedro Álvares Cabral não era achar uma nova terra a oeste do mar Oceano, mas chegar, como Vasco da Gama, às Índias e negociar as ricas especiarias transacionadas na região.
Até o século XV, havia pouco conhecimento sobre os oceanos e a geografia do nosso planeta. Havia até muitas informações, em sua maioria herdadas dos gregos, que desde a antiguidade viajavam pelos mares e contavam aquilo que haviam visto em histórias fabulosas, cheias de mitos e seres maravilhosos e monstruosos e imprecisas. A essas histórias os europeus medievais e modernos acrescentavam outras, nas quais a religiosidade cristã fazia-se presente.
Disse Thomaz Oscar Marcondes de Souza no seu O descobrimento do Brasil que então duas “concepções geográficas se defrontavam nos últimos decênios do século XV, tratando-se do ambicionado caminho marítimo para a Ásia e particularizando para a Índia, donde com os aromas, pedras preciosas, brocados e purpuras, vinha também à Europa a fama de riquezas fabulosas. De um lado estava um pequeno grupo de cosmógrafos letrados, dos quais a história tem conservado os nomes de Toscanelli, Monetario, Behaim e Colombo, o qual dando grande impulso às ideias clássicas da antiguidade grega sobre a redondeza da terra e a pequena extensão dos mares, dizia que navegando rumo ocidente seria possível em curto espaço de tempo atingir a ilha de Cipango e o litoral de Chatay. Eram os partidários do chamado ciclo ocidental. Combatiam essa ideia os cosmógrafos portugueses que opinavam pela procura da rota marítima para a Índia navegando ao longo da costa ocidental da África até encontrar uma passagem ao sul desse continente e, assim, penetrar no Oceano Indico. Eram os adeptos do denominado ciclo oriental.”
Mesmo o oceano despertando medo, parte proveniente das dificuldades técnicas de se viajar por ele, ao final do século XV e início do século XVI, os europeus, portugueses e espanhóis à frente, movidos por questões econômicas, políticas, religiosas e até mesmo pelo fascínio que ele despertava, conseguiram desvendar parte de seus mistérios.
Depois que Vasco da Gama retornou da expedição à Índia, o rei português Dom Manuel enviou uma outra expedição para lá, a fim de estabelecer relações comerciais com os indianos. À frente dela estava Pedro Álvares Cabral, que partiu de Lisboa em março de 1500 e chegou, em 22 de abril do mesmo ano, ao que veio a ser o Brasil. Para comunicar a boa nova ao rei D. Manuel, enviou embarcação com carta escrita por Pero Vaz de Caminha.
Depois de passar pouco mais de uma semana na nova terra, mantendo contato com os nativos, seguiu viagem. O destino era a Índia, onde a esquadra chegou a 13 de setembro de 1500, com seis embarcações, já desfalcada do navio comandado por Bartolomeu Dias, o mesmo que doze anos havia descoberto a ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Índico.
Apesar de Cabral manter contatos diplomáticos inicialmente alvissareiros, garantindo a organização de uma feitoria, antes do final do ano o estabelecimento foi atacado por aproximadamente trezentos muçulmanos. Morreram cinquenta portugueses, entre os quais Pero Vaz de Caminha.
A reação portuguesa foi muito forte. Dez embarcações árabes foram atacadas e o carregamento confiscado. Na peleja, aproximadamente seis centenas de muçulmanos foram mortos. Na sequência, Calicute também foi atacada e sucumbiu diante do poder de fogo lusitano.
Portugal queria o controle do comércio das especiarias e não titubearia diante da concorrência e das ameaças árabes. A atuação de Cabral demonstrou que os esforços diplomáticos não se subordinariam aos esforços militares caso os interesses portugueses fossem contrariados.