A pacífica partida de (Luiz)Guerra

por Sérgio Trindade foi publicado em 19.set.25

Demorei um pouco a processar e, só hoje, depois de muito matutar, resolvi escrever alguma coisa.

Senti a morte de Luiz Guerra, meu ex-professor na então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), em 1985, e depois colega de trabalho no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), como uma punhalada desferida no meio do peito.

Ele não era meu amigo. Foi meu professor – o que, para mim, é mais do que a amizade. Há algo de paternal na figura dos mestres que marcam nossa formação. Guerra foi também meu colega de ofício, daqueles que se pode chamar, sem exagero, de bons colegas: educado, cordato, simples no trato, sempre disposto a uma palavra amiga. Encontrava-o, de vez em quando, pela Cidade Alta ou nas fronteiras da Cidade Alta-Tirol, com aquele jeito tranquilo de quem está presente sem precisar se impor. Morava nas imediações da Catedral Metropolitana, a poucas quadras de onde a morte o surpreendeu de forma súbita, como costuma fazer com os justos.

A morte nos desarma. Somos tentados a buscar explicações, para ao final só constatarmos a única verdade, a sua inevitabilidade. A razão nos ensina que não devemos temê-la, pois ela não nos pertence enquanto estamos vivos. E, no entanto, quando é o outro que se vai, o vazio se impõe. Não é a nossa morte que nos fere, mas a ausência daqueles que partem. E contra isso nenhuma lógica é suficiente.

Imagem feita com auxílio de IA

Aprendemos, ao longo da vida, que nada do que recebemos é posse definitiva. Tudo é só um empréstimo. Também as pessoas que amamos ou admiramos nos são dadas por um tempo, e depois retiradas. É duro aceitar essa verdade, mas talvez seja o único caminho para suportar a perda sem desespero. A memória, quando bem guardada, devolve serenidade ao que parecia insuportável.

A tradição filosófica, assim como a fé, sempre nos ensinou a olhar a morte como passagem. Alguns dizem que a alma, liberta do peso do corpo, alcança finalmente a clareza que aqui só vislumbramos em sombras. Outros recordam que a vida é medida menos pela duração e mais pela qualidade do convívio, pela virtude discreta do dia a dia. E nesse ponto, Luiz Guerra deixou sua marca: não fez barulho, mas transmitiu, com seu jeito afável e educado, uma lição de humanidade.

Há também quem veja a morte como reintegração ao todo maior da vida. O indivíduo, que parecia único e isolado, retorna ao fluxo universal de que sempre fez parte. Sob essa luz, a perda pessoal se transforma em pertença coletiva: Guerra, o professor e colega, não é apenas lembrança íntima, mas também parte da memória de uma instituição, de uma cidade, de uma época.

Mas a morte pode ser também um chamado à afirmação da vida. A saudade nos provoca a repetir o que de melhor o outro foi. No caso de Guerra, a lição é simples e exigente: manter viva a cordialidade, a urbanidade, a disponibilidade para a conversa despretensiosa que ilumina um encontro na rua. Recordar alguém não é apenas chorar a sua ausência, mas prolongar, no presente, a sua presença.

Por isso, falar de Luiz Guerra não é apenas constatar sua partida súbita. É reconhecer que sua vida, marcada pela boa docência e pelo companheirismo, deixou uma herança que não se perde. Cada aluno que formou, cada colega que respeitou, cada palavra cordial trocada pelas esquinas da Cidade Alta e de Tirol é testemunho silencioso de uma existência bem vivida. A morte, assim pensada, não é um fim absoluto, mas um recomeço de outra ordem: a presença que se guarda na memória e no coração dos que ficam. É esse fio que liga o que parecia rompido. É essa lembrança que sustenta nossa esperança.

Despeço-me de Luiz Guerra com dor, sim, mas também com serenidade. Ele foi mestre e colega, e isso basta para que sua passagem tenha deixado rastro luminoso. Resta-me agradecer o dom de tê-lo encontrado, e devolver, com humildade, aquele que nos foi dado por um tempo. Que descanse em paz, não apenas na eternidade que a fé anuncia, mas também na paz da lembrança dos que conviveram com ele. Pois só assim a morte, que nos espreita, pode ser acolhida sem desespero, quando aprendemos que, mesmo no silêncio da ausência, o bem que alguém praticou continua a falar em nós.

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