Delfim Netto: o democrata-autoritário

por Sérgio Trindade foi publicado em 13.ago.24

O subtítulo deste artigo é um empréstimo que fiz do título do livro de João Almino (Os Democratas Autoritários: liberdades individuais, de associação política e sindical na constituinte de 1946), porque ele é quase uma moldura para o perfil de Antônio Delfim Netto, ex-ministro de Costa e Silva, Médici e João Figueiredo. Seu último cargo público foi deputado federal, por São Paulo.

No Brasil, os mortos são santificados. Principalmente quando famosos. Por isso é bom lembrar. E minha lembrança sobre Delfim, mesmo reconhecendo seus predicados intelectuais, não é exatamente boa.

Homem de inteligência superior, Delfim Netto foi quase sempre, em toda a sua vida pública, homem que frequentou o poder ou pelo menos dele ficou sempre muito próximo por mais de seis décadas. Foi Secretário da Fazenda do governador Laudo Natel, em 1966-67, donde saiu para assumir o Ministério da Fazenda do Presidente Costa e Silva, permanecendo no cargo durante a gestão Médici e retornando para compor a equipe de ministros do Presidente Figueiredo, primeiro na Agricultura e, depois, no Planejamento. Com Geisel, foi embaixador do Brasil na França.

Findo o regime autoritário, foi eleito deputado federal por cinco mandatos, de 1987 a 2007 e Constituinte entre 1987-88.

Esquerda e direita uniram-se nos elogios ao ex-czar da economia e um dos artífices do milagre econômico brasileiro, morto no último dia 12 (segunda-feira), aos 96 anos de idade. O Ministério da Fazenda disse, por meio de nota, que Delfim foi “um referencial em diferentes fases da história do país” e que “fomentou debates essenciais sobre a condução da política econômica brasileira”. O Presidente Lula declarou que na campanha de 2006 pediu “desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos. Delfim participou muito da elaboração das políticas econômicas daquele período. Quando o adversário político é inteligente, nos faz trabalhar para sermos mais inteligentes e competentes”. Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso Nacional, afirmou que o ex-ministro era um profundo conhecedor  “das ciências econômicas e que ocupou papel altivo na história do Brasil desde 1967, quando se tornou, aos 38 anos, o mais jovem ministro do país”. Arthur Lira, presidente da Câmara de Deputados, afirmou na rede X (antigo Twitter) que Delfim Neto “deixa um legado histórico para o país que será sempre reconhecido pelo povo brasileiro”. Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, mencionou a colaboração do ex-ministro para o desenvolvimento econômico do país e que mesmo divergindo politicamente dele reconhece que Delfim  “sempre teve compromisso com a produção e com o crescimento da economia. Mesmo tendo sido um ministro destacado do regime militar – liderou o chamado ‘milagre brasileiro’ –, Delfim apoiou o governo Lula em momentos importantes e desafiadores”.

Acusado de neoliberal e insensível pela esquerda que se opunha ao regime de 64, Delfim caiu nas graças de Lula nos seus dois primeiros mandatos e posteriormente de Dilma. Foi conselheiro econômico de ambos, pelas razões que a direita liberal e a esquerda (incluindo o próprio Lula pré-Presidente da República) recusaram-se a enxergar e/ou reconhecer: era um desenvolvimentista irresponsável, do ponto de vista fiscal.

Conduziu o milagre montado sobre o AI-5, o qual assinou e nunca se arrependeu de tê-lo feito, abrindo o caixa do Estado e gastando como se não houvesse amanhã, deixando um equação difícil de ser resolvida, dado o trinômio dela nascido: crescente dívida externa, inflação galopante e quadro recessivo difícil de ser rompido.

É difícil enquadrar homem complexo, sagaz e inteligente como Delfim, mas uma coisa é impossível negar: foi um desenvolvimentista sob capa liberal. Uma espécie de Guido Mantega com cérebro privilegiado. Daí o fascínio de Lula, de Dilma e de grande parte do PT pelo doutor Antônio Delfim Netto, que surgiu para a vida pública como um cioso defensor dos padrões do regime envergonhadamente autoritário em 1964 e escancaradamente ditatorial em 1968, com o voto dele, para aprovar o despótico ato institucional inaugurador dos anos de chumbo, na Conselho de Segurança Nacional e que morreu perfilado ao lados de muitos dos que dizem lutar pelos ideais democráticos.

A sua sagração por aqueles que mandam no país diz muito sobre a democracia que o Brasil diz desejar.

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