Confia, porra!
Cresci, nos anos 1980, simpático e participando de movimentações de grupos de esquerda.
Entrei na universidade, ainda nos anos 1980, e militei em grupos de esquerda. Pouco, é verdade, porque comecei a trabalhar muito novo e não me sobrava tempo para estar em reuniões, festinhas, etc.
Já maduro, com trinta e poucos anos, ainda votava e defendia pautas de esquerda, mas tapando o nariz com o que via e ouvia nos bastidores.
Afastei-me de vez nos anos 2000 quando vi, no serviço público federal, projetos construídos para beneficiar camaradas e companheiros, quando vi convênios feitos para beneficiar camaradas e companheiros, quando testemunhei servidores que deveriam cuidar do interesses público atuando para salvaguardar interesses de camaradas e companheiros.
E os camaradas e companheiros que atuavam em prol de camaradas e companheiros apresentavam-se como virtuosos que defendiam virtuosos.
Não sou ingênuo para dizer que a esquerda não é virtuosa e a direita é ilibada. Mas, jovem, acreditei que os do meu lado eram verdadeiramente retos e probos, quando eram contraventores ou criminosos.
De saco cheio da hipocrisia, afastei-me. Não sem sentir a ira dos anjinhos virtuosos se abater sobre mim. Reagi e reajo e tenho de ficar me justificando porque ajo como ajo, porque não dou a cara a tapa, porque não deixo os calos para que os pisem.
A esquerda casou, em seus pensamentos, com a Realidade e a vê, há tempo, nos braços dos outros. Ainda assim, aponta-a como esposa fiel, faz declarações de amor à maldita, elogia-a em público. E a Realidade, esposa infiel, segue traindo despudoradamente.
A esquerda não percebe (ou finge não perceber) que a Realidade está longe dela, porque detesta o que ela faz repetidamente.
Ano a ano a esquerda tradicional, aquela que pensa ter o monopólio da virtude, reclama que está se esvaindo eleitoralmente. Testemunha a direita, essa parcela que a tudo acusa e não tem um pingo de solidariedade, crescer vigorosamente e invadir o seu terreiro e o que faz para reconquistar os que formam a Realidade?
Usa remédio para matá-la.
Pôs na cabeça que receberá os eleitores de volta chamando-os de pobres de direita e de fascistas. Não dando certo, diz que são dementes. Apimenta a sedução acusando-os de serem manipulados pela mídia golpista e por pastores picaretas. Para encerrar, difunde que são propagadores de fake news e que não votam racionalmente.
Ao final, quer que esse eleitor seja todinho dela.
Ele virá. Confia!