A solidão latino-americana
A América Latina adora mitos popularescos, notadamente quando vêm tocados por fundamentos ideológicos. Por isso fazem sucesso estrondoso Juan Domingo Peron, Getúlio Dorneles Vargas, Lázaro Cárdenas, entre outros.
Mas recentemente, Evo Morales é o primeiro índio a chegar à Presidência na Bolívia. Lula, o primeiro operário a ocupar o Palácio do Planalto, no Brasil. Nicolas Maduro o primeiro motorista a dirigir os rumos venezuelanos. Cristina, a primeira boneca a sentar na cadeira presidencial argentina. A lista poderia ser infindável. Dos citados neste parágrafo, apenas Lula andou nos trilhos da racionalidade política e, principalmente, econômica. Durante certo tempo.
Algumas cavalgaduras que não toleram que sejam citadas a origem étnica e a origem social (a primeira, dizem, configuraria racismo e a segunda, preconceito social), mas fazem festa quando há referências à vitória de Morales, de Lula e de Maduro. Eles, para esse pessoal, são a prova viva de que novos preceitos políticos, econômicos e sociais estão na ordem do dia neste rincão chamado América Latina.
Não há dúvida de que a vitória de Morales, Lula e Maduro são vitoriosos, pois tiveram conquistas pessoais imensas. A sagacidade política certamente desempenhou papel decisivo na vitória pessoal que conquistaram. Porém, não convém imaginar que o exercício da Presidência da República é algo que costumeiramente se consiga com sucesso sem que se passe por um processo de educação mais elaborado. O índio, o operário e o motorista não são dotados de uma sensibilidade superior para gerir os negócios de Estado pelo fato de serem índio, operário e motorista.
A América Latina, de um modo geral, não gosta de fórmulas testadas e bem-sucedidas. Desdenham experiências meritórias se fugirem minimamente aos ditames teóricos das cartilhas pretensamente revolucionárias. Por isso, o Chile e a Colômbia vêm sendo acusadas de aplicarem preceitos neoliberais. Ainda que funcionem na prática, são neoliberais e, por isso, devem ser combatidos.
O que fizeram o Chile e a Colômbia?
Privatizações, disciplina fiscal e buscaram aumento de produtividade. O que foi delineado nos anos Itamar Franco-Fernando Henrique Cardoso e que, de certa forma, pavimentou o caminho para os anos de crescimento do governo Lula.
Quando o Presidente operário abandonou parcialmente a cartilha, digamos, neoliberal, legou à sua sucessora um regime que se diluiu – com inflação ascendente, queda de produtividade e recessão.
Já se falou de uma maré socialista varrendo a América Latina, com a adoção de uma cartilha nacionalismo, fechamento econômico, democracia direta e caneladas nos Estados Unidos, como já houve e há quem defenda uma vereda híbrida liberal-autoritária.
São caminho para o caos, lugar próximo e para onde a América Latina teima em voltar de tempos em tempos e, pior, teima em ficar.
Nesse lugar viveremos mil anos de solidão, dez vezes mais do que o título de um dos maiores trabalhos de Gabriel Garcia Marques, ele mesmo um gênio da literatura latino-americana que tomou o bonde errado. Ou estaremos encerrados no labirinto de Octavio Paz, no pensamento paradoxal desafiador das ideias feitas, nas convenções estabelecidas tentam separar de maneira irreversível os opostos.
A América Latina é tomada por vícios atávicos de formação, a saber, a indistinção entre público e privado e entre direitos e privilégios. A tradição autoritária manifesta-se pela ocorrência do caudilhismo e do populismo. A centelha do antidemocratismo, do antiliberalismo e do anticapitalismo teima em se fazer presente, mesmo que digamos o exato oposto, tornando a mentira política o nosso estandarte.
A América Latina só sairá da maré de atraso em que teima ficar se revogar a retórica atrasada e tomar o caminho daquilo que o saudoso Mário Covas propôs na eleição presidencial de 1989: um choque de capitalismo.
Um dia a conta da inépcia e da demagogia bate à porta e a região terá de enfrentar o desafio. E enfrentá-lo exige doses cavalares de capitalismo e democracia liberais.