As urnas e a resistência

por Sérgio Trindade foi publicado em 03.nov.22

Apurados os votos e constatada a vitória de Lula sobre Bolsonaro, no último domingo, começou o suspense acerca da reação do derrotado – “Aceitaria ou não vitória do seu adversário?”, Tentaria alguma aventura?”.

Eram perguntas, ressalto, que já estavam postas antes mesmo de o pleito ocorrer, mas que foram se tornando mais frequentes poucos dias antes e com ainda mais frequência e insistência depois de dado o resultado.

Pouco mais de 24h depois de o resultado se tornar público, já foi possível perceber, dado o isolamento e o silêncio de Bolsonaro, encastelado no Palácio do Alvorada, que o malogro não lhe apetecia. Logo, começaram as críticas porque, primeiro, ele não deu declaração reconhecendo a derrota ainda no mesmo dia sobre o resultado das urnas e não se dirigindo ao vitorioso para parabenizá-lo, com todos esquecendo que o derrotado de 2018, Fernando Haddad, se pronunciou sobre o seu insucesso no mesmo dia, mas só no dia seguinte cumprimentou, via redes sociais, o adversário. Depois as críticas se avolumaram porque Bolsonaro não ligou para Lula parabenizando-o pela vitória; uma vez mais todos esqueceram que Lula reconheceu as derrotas que teve – 1989, 1994 e 1998, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oficializou o resultado, mas não ligou para os adversários que lhe venceram em 1989 (Fernando Collor) e em 1994 e 1988 (Fernando Henrique Cardoso), para parabenizá-los

Passada a fase inicial, pipocaram movimentos de bloqueios das estradas e, ato contínuo, movimentos de contestação, em várias cidades brasileiras, ao resultado saído das urnas e as críticas, justas, à postura silente ou pouco engajada do atual presidente avolumaram-se. Quase todas as críticas apontam que os movimentos são antidemocráticos e que ocorrem situações de violência.

Em 2013, multidões saíram às ruas para lutar “contra tudo que está aí”, mensagem que diz pouco sobre muito. O saldo daquilo, com baderneiros quebrando tudo o que encontravam pela frente e sendo festejados por artistas, intelectuais e professores universitários, todos encantados com a violência revolucionária, foi fortalecer o sentimento antipolítica, porta de entrada para a balbúrdia que engolfa o Brasil nos dias que seguem. À época, conversei muito com colegas e mesmo amigos sobre aquela situação e sobre a violência injustificada e injustificável. Diziam-me eles: “Não se faz omelete sem quebrar os ovos”. Ou enviavam memes ou quadrinhos (estão abaixo) comparando o que ocorria no Brasil aos lances iniciais da revolução francesa (https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-21/manifestacoes-foram-marcadas-por-violencia-e-depredacao-em-varias-cidades).

Alguém dirá: “Mas em 2013 nós lutávamos por um Brasil melhor!” ou “Não estávamos contestando a democracia”. Certo, mas para construir um Brasil melhor era necessário estar ao lado de baderneiros? Era necessário justificar a violência e até perdoar a violência como efeito colateral da luta? Era necessário afrontar as instituições que resguardavam o Estado Democrático de Direito? As coisas não podiam ser feitas dentro da ordem… democrática?

O que constato quando ouço e/ou leio os lados que se confrontam na política brasileira é apenas uma coisa: os que estão comigo são liberados para fazer o necessário para atingir o objetivo almejado. Lei, ordem, democracia, etc são só invólucros para desejos e desígnios ilegítimos. São rotos e esfarrapados unidos pela mesquinhez mais tacanha possível.

A retrógrada esquerda brasileira, parte dela homiziada no PT, no PSOL e outros mais, e a alucinada direita brasileira, parcialmente distribuída num imenso grupo de partidos (PL, União Brasil e outros) são sócias na ojeriza que têm a democracia burguesa, como já ouvi de muitos colegas professores. Para ambas, a solução é algum tipo de revolução e a democracia burguesa é apenas um caminho momentaneamente tolerado (esquerda) ou um obstáculo a ser imediatamente transposto (direita). São irmãs siameses no método de violentar a democracia, aviltando-a pelo dinheiro, com ocorreram nos mais variados momentos e com alguns atores se sucedendo na trama – anões do orçamento (https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/lembre-do-escandalo-dos-anoes-do-orcamento-que-completa-20-anos,3f1376212bd42410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html), mensalão (https://tudo-sobre.estadao.com.br/mensalao), petrolão (https://epoca.oglobo.globo.com/palavrachave/petrolao/), orçamento secreto (https://tudo-sobre.estadao.com.br/orcamento-secreto), pedidos de impeachment em série (https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/18/politica/1460937256_657828.html) (https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/quantos-pedidos-de-impeachment-os-ultimos-presidentes-receberam/), entre outros.

De um lado e de outro estão os desgarrados, muitos deles lutando apenas e tão-somente por interesses corporativistas travestidos de interesses dos mais humildes.

Chegamos, é o que parece, numa dessas encruzilhadas históricas, com a esquerda retrógrada e a direita alucinada, em consórcio com grupos corporativistas interessados em manter suas benesses, carregando o país para a beira do abismo, com o qual o Brasil flerta a cada quadra histórica de 40 a 60 anos (escreverei sobre isso).

Lula parece ser a última chance de a Nova República sobreviver tal qual a conhecemos e enfrentará, presumo, dificuldades sérias na transição de governos e, mais ainda, no início do mandato, com o Congresso Nacional, que certamente não irá mão do formato do orçamento atual, secreto ou municipalista, como dizem defensores ou críticos.

posts relacionados
Logo do blog 'a história em detalhes'
por Sérgio Trindade
logo da agencia web escolar