As urnas e a resistência
Apurados os votos e constatada a vitória de Lula sobre Bolsonaro, no último domingo, começou o suspense acerca da reação do derrotado – “Aceitaria ou não vitória do seu adversário?”, Tentaria alguma aventura?”.
Eram perguntas, ressalto, que já estavam postas antes mesmo de o pleito ocorrer, mas que foram se tornando mais frequentes poucos dias antes e com ainda mais frequência e insistência depois de dado o resultado.
Pouco mais de 24h depois de o resultado se tornar público, já foi possível perceber, dado o isolamento e o silêncio de Bolsonaro, encastelado no Palácio do Alvorada, que o malogro não lhe apetecia. Logo, começaram as críticas porque, primeiro, ele não deu declaração reconhecendo a derrota ainda no mesmo dia sobre o resultado das urnas e não se dirigindo ao vitorioso para parabenizá-lo, com todos esquecendo que o derrotado de 2018, Fernando Haddad, se pronunciou sobre o seu insucesso no mesmo dia, mas só no dia seguinte cumprimentou, via redes sociais, o adversário. Depois as críticas se avolumaram porque Bolsonaro não ligou para Lula parabenizando-o pela vitória; uma vez mais todos esqueceram que Lula reconheceu as derrotas que teve – 1989, 1994 e 1998, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) oficializou o resultado, mas não ligou para os adversários que lhe venceram em 1989 (Fernando Collor) e em 1994 e 1988 (Fernando Henrique Cardoso), para parabenizá-los
Passada a fase inicial, pipocaram movimentos de bloqueios das estradas e, ato contínuo, movimentos de contestação, em várias cidades brasileiras, ao resultado saído das urnas e as críticas, justas, à postura silente ou pouco engajada do atual presidente avolumaram-se. Quase todas as críticas apontam que os movimentos são antidemocráticos e que ocorrem situações de violência.
Em 2013, multidões saíram às ruas para lutar “contra tudo que está aí”, mensagem que diz pouco sobre muito. O saldo daquilo, com baderneiros quebrando tudo o que encontravam pela frente e sendo festejados por artistas, intelectuais e professores universitários, todos encantados com a violência revolucionária, foi fortalecer o sentimento antipolítica, porta de entrada para a balbúrdia que engolfa o Brasil nos dias que seguem. À época, conversei muito com colegas e mesmo amigos sobre aquela situação e sobre a violência injustificada e injustificável. Diziam-me eles: “Não se faz omelete sem quebrar os ovos”. Ou enviavam memes ou quadrinhos (estão abaixo) comparando o que ocorria no Brasil aos lances iniciais da revolução francesa (https://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-06-21/manifestacoes-foram-marcadas-por-violencia-e-depredacao-em-varias-cidades).
Alguém dirá: “Mas em 2013 nós lutávamos por um Brasil melhor!” ou “Não estávamos contestando a democracia”. Certo, mas para construir um Brasil melhor era necessário estar ao lado de baderneiros? Era necessário justificar a violência e até perdoar a violência como efeito colateral da luta? Era necessário afrontar as instituições que resguardavam o Estado Democrático de Direito? As coisas não podiam ser feitas dentro da ordem… democrática?
O que constato quando ouço e/ou leio os lados que se confrontam na política brasileira é apenas uma coisa: os que estão comigo são liberados para fazer o necessário para atingir o objetivo almejado. Lei, ordem, democracia, etc são só invólucros para desejos e desígnios ilegítimos. São rotos e esfarrapados unidos pela mesquinhez mais tacanha possível.
A retrógrada esquerda brasileira, parte dela homiziada no PT, no PSOL e outros mais, e a alucinada direita brasileira, parcialmente distribuída num imenso grupo de partidos (PL, União Brasil e outros) são sócias na ojeriza que têm a democracia burguesa, como já ouvi de muitos colegas professores. Para ambas, a solução é algum tipo de revolução e a democracia burguesa é apenas um caminho momentaneamente tolerado (esquerda) ou um obstáculo a ser imediatamente transposto (direita). São irmãs siameses no método de violentar a democracia, aviltando-a pelo dinheiro, com ocorreram nos mais variados momentos e com alguns atores se sucedendo na trama – anões do orçamento (https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/lembre-do-escandalo-dos-anoes-do-orcamento-que-completa-20-anos,3f1376212bd42410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html), mensalão (https://tudo-sobre.estadao.com.br/mensalao), petrolão (https://epoca.oglobo.globo.com/palavrachave/petrolao/), orçamento secreto (https://tudo-sobre.estadao.com.br/orcamento-secreto), pedidos de impeachment em série (https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/18/politica/1460937256_657828.html) (https://apublica.org/impeachment-bolsonaro/quantos-pedidos-de-impeachment-os-ultimos-presidentes-receberam/), entre outros.
De um lado e de outro estão os desgarrados, muitos deles lutando apenas e tão-somente por interesses corporativistas travestidos de interesses dos mais humildes.
Chegamos, é o que parece, numa dessas encruzilhadas históricas, com a esquerda retrógrada e a direita alucinada, em consórcio com grupos corporativistas interessados em manter suas benesses, carregando o país para a beira do abismo, com o qual o Brasil flerta a cada quadra histórica de 40 a 60 anos (escreverei sobre isso).
Lula parece ser a última chance de a Nova República sobreviver tal qual a conhecemos e enfrentará, presumo, dificuldades sérias na transição de governos e, mais ainda, no início do mandato, com o Congresso Nacional, que certamente não irá mão do formato do orçamento atual, secreto ou municipalista, como dizem defensores ou críticos.