Brasil – a corrupção já tem o seu ideólogo
Fiz um post no Facebook sobre “A elite do atraso – da escravidão à Lava Jato”, de Jessé de Souza, livro que lera há coisa de um mês. Já havia lido, também recentemente, “A radiografia do golpe” e estou concluindo “A tolice da inteligência brasileira”.
É possível dizer que os três livros estão ligados por um fio. Juntos formam uma trilogia louvaminheira ao atraso, e explico ao final do texto, mesmo reconhecendo que são agradáveis de ler e apontam questões pontuais importantes, sem no entanto atingirem o objetivo proposto, a saber, gerar uma síntese explicativa do Brasil atual, pois ficam girando em torno daquilo que acusam nos outros, o de discutirem questões pontuais. E mais, as teses consagradas de Sérgio Buarque, Raymundo Faoro e Gilberto Freyre saem engrandecidas.
A cultura de Jessé de Souza, homem de formação e leituras múltiplas, é inquestionável, mas não posso deixar de registrar que em “A radiografia do golpe”, o militante toma o lugar do acadêmico e em “A elite do atraso”, a vaidade intelectual obnubila o acadêmico que já produziu obras melhores, como o festejado “A construção social da subcidadania”, no início do século.
Em “A elite do atraso” e em “A tolice da inteligência brasileira”, Jessé de Souza se propõe a fazer uma interpretação-síntese do Brasil, destronando “vacas sagradas” que construíram uma “explicação dominante do vira-lata brasileiro” e que ainda hoje “tem sua força na história e na sociologia do vira-lata”.
“A elite…”, que tem pretensão enorme, sai datado demais, constituindo-se numa tentativa de explicar, com tintas acadêmicas, e um texto que oscila entre o acadêmico e às vezes quase jornalístico, o vendaval político causado pela “Lava Jato” e justificar os erros do grupo politico ao qual está vinculado o autor, percurso, reforço, já trilhado em “A radiografia do golpe”.
As vacas sagradas a serem destruídas, Sérgio Buarque de Hollanda e Raymundo Faoro, já são vergastados por Jessé de Souza em “A tolice da inteligência brasileira”, e o veneno usado para corroê-las é Gilberto Freyre – ele mesmo uma vaca sagrada e que, segundo o autor, também será corroído pelas próprias ideias.
Existem momentos em que as falas das lideranças políticas sintetizam suas visões de mundos distorcidas, revelando a degeneração moral em que vivem e que sempre era antes escondida do grande público e que hoje, num mundo de superexposição, torna-se cada vez mais difícil de ocultar.
O áudio do senador Romero Jucá, no qual revela a possibilidade de um grande acordo nacional, tirando Dilma Planalto e pondo Michel Temer no governo, para envolver todos, até o STF, é um exemplo. Jucá falou o que sentia e foi exposto de forma sem precedentes http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml. Muita gente, a favor e contra Dilma (principalmente os a favor) denunciaram, com razão, a vileza de Jucá.
Bem, Dilma caiu, Temer assumiu e a Lava Jato seguiu os passos que vinha seguindo. Todos esqueceram que o Jucá de Temer já fôra o Jucá de Sarney, de Collor, de Fernando Henrique, de Lula e… de Dilma.
Não sejamos ingênuos ou mal intencionados. O objetivo que Jucá emitiu, a saber o de “interromper a sangria” da Lava Jato foi costurado no governo Dilma e está sendo no de Temer, para gáudio dos algozes e das vítimas do “golpe”, que, irmanados, estarão abraçados no STF, sob a liderança de Gilmar Mendes, Lewandowski e outros mais.
Chegamos a um ponto em que até o ideólogo da corrupção surgiu no horizonte, chama-se Jessé de Souza e é festejado por certa elite intelectual e política.
A sua “A elite do atraso” traz escondida no seu seio, a despeito da tentativa arrojada de construção teórica bem urdida, a relativização da corrupção. As leituras para a sua elaboração são vastas; a tessitura é fina e chega a ser rudimentar, superficial demais.
Como já dito acima, criticando vigorosamente o conceito de patrimonialismo elaborado pelo sociólogo alemão Max Weber e empregado por Sérgio Buarque de Hollanda em “Raízes do Brasil”, segundo ele “o mais fajuto de todo o pensamento social brasileiro”, Jessé de Souza aponta sua metralhadora para Raymundo Faoro e Roberto DaMatta, identificando-os como meros serviçais da burguesia, e se escolhe como o intérprete-mor do Brasil.
Se o primarismo da versão epistemológica jesseniana for verdadeira, ele está a serviço de quem? Do conhecimento? Da verdade?
O vilão de Jessé de Souza é o mercado. A corrupção que todos assistimos, com as vísceras de negócios nebulosos sendo expostas, é apenas uma construção midiática. A Petrobras não foi roubada, como os fatos e dados mostram. Isso é apenas mais um plano do imperialismo americano, uma espécie de grande acordo internacional para açambarcar as riquezas brasileiras.
Jessé é o Jucá das letras.
Por Sérgio Trindade