Duplipensamento tupiniquim

por Sérgio Trindade foi publicado em 15.abr.18

No magistral romance 1984, de George Orwell, difunde-se o conceito de duplipensamento, quebra do princípio lógico da não-contradição nos meios sociais e políticos. E como a contradição é um princípio de vida – e de conduta política –, o duplipensar espraia-se na distopia do escritor britânico.

Pois bem, vivemos na distopia orwelliana nestas plagas tropicais. O certo, errado, belo, feio, bom, mau, progressista, reacionário, etc, dependem não de evidências ou mesmo de fatos concretos mas do que seitas partidárias definem, pois a chave do duplipensar não está nos fatos que sustentam realidade – se assim o fosse, logo seria possível perceber que aquilo em que se acredita ou pelo que se milita é um falseamento da realidade.

É um consenso civilizatório que indivíduos devem ser respeitados em seus direito – e as minorias ainda mais, por serem mais vulneráveis. Qualquer um que ultrapasse as barreiras que protegem os direitos individuais deve ser coagido e contido. A regra funciona bem para alguns. Jair Bolsonaro e Aécio Neves são lembrados constantemente por abusos cometidos. O primeiro contra mulheres e homossexuais; o segundo, contra mulheres. O mesmo, porém, não ocorre quando o agressor está nas fileiras, digamos, certas.

Uma fita de vídeo mostra o ex-presidente Lula, em diálogo com o então candidato do PT, Fernando Marroni, à prefeitura de Pelotas, no Rio Grande do Sul, dizendo que a cidade “é exportadora de veado” http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u9767.shtml. O mesmo Lula, quando nomeado ministro da Casa Civil, em conversa com o ex-ministro Paulo Vannucchi, afirma estar “colocando Fátima Bezerra e Maria do Rosário, duas parlamentares do PT, para acompanhar de perto um dos procuradores que o investigam”. Em dado momento, pergunta a Vannucchi: “Cadê as mulheres do grelo duro do nosso partido?” https://extra.globo.com/noticias/brasil/lula-chama-feministas-do-pt-de-mulheres-do-grelo-duro-internautas-reagem-18897069.html.

Se tais expressões fossem usadas por personalidade política de centro ou de direita ou mesmo por jornalistas, artistas que não rezam pela cartilha  da tchurma, o mundo ruiria. Lembremos da celeuma causada pela erro de William Wack, pego num deslize de bastidor https://veja.abril.com.br/entretenimento/william-waack-e-acusado-de-racismo-apos-vazamento-de-video/.

Os vazamentos dos áudios de Aécio Neves e o grampo feito ao presidente Michel Temer são festejados pelos mesmos que criticaram o grampo que flagrou a presidente Dilma nomeando Lula ministro para, assim, livrá-lo de Sérgio Moro.

A investigação e a prisão de Lula pela Lava Jato é apresentada como uma conspiração da elite para destruir “o maior líder popular que este país já produziu”, porque “a classe média não tolera andar de avião com pobres”. É essa a besteirada que ouvimos e lemos diariamente. Os mesmos que acusam a Laja Jato de perseguir Lula, querem-na nos calcanhares de Temer, de Aécio, de Alckmin, de Henrique Alves, etc.

Tudo isso é duplipensamento.

Num texto escrito em 1961, Eric Fromm, analisando o romance de Orwell, aponta vários aspectos importantes na obra, entre os quais a natureza da verdade. Como 1984 é uma referência ao totalitarismo stalinista, Fromm diz que a descrição orwelliana não é apenas outra denúncia contra o stalinismo, mas também como o fenômeno ocorre nos países capitalistas. “A questão básica levantada por Orwell é se há algo que se possa denominar ‘verdade’. ‘A realidade’ diz o partido dominante, ‘não é externa. A realidade existe na mente humana e em nenhum outro lugar (…) tudo o que o partido reconhece como verdade é a verdade’. Se isso é fato, ao controlar a mente dos homens o partido controla a verdade.”

 

 

Por Sérgio Trindade

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