Está tudo normal?

por Sérgio Trindade foi publicado em 23.fev.23

O presidente Lula suspendeu a licença de carnaval, juntou ministros, chamou governador e prefeito e foi visitar os atingidos pela borrasca que castigou vários municípios de São Paulo, notadamente o de São Sebastião, no litoral norte do estado.

A atitude de Lula, do governador e do prefeito, seus adversários, deveria ser tratada como algo normal, mas depois da postura do ex-presidente Jair Bolsonaro, que ano passado fez beicinho para suspender as férias, quando Bahia e Minas Gerais foram castigadas por algo semelhante, traz certo alívio e, de certa forma, até comove.

Nem é para tanto.

Qualquer político de bom senso faria o que Lula fez. Até um populista. A questão é: Bolsonaro era (é) tão fora da realidade, que não dá para qualificá-lo nem como populista. Na pior das hipóteses é um sectário sádico; na melhor, um dirigente insensível.

Entre o presidente (sectário sádico ou dirigente insensível) que aparenta não ser dele o problema e fica galhofando e desfrutando do seu brinquedinho aquático e se empanzinando de camarão, enquanto pessoas morrem soterradas ou seguem desabrigadas, e o presidente, populista ou não, que arregaça as mangas e o governador que até muda o gabinete para ficar mais perto da população, escolho, mesmo sem neles ter votado, os últimos.

Vão faturar política e eleitoralmente?

Quem sabe. Talvez faturem, porque na política a engrenagem roda assim. Afinal, político e eleitor agem racionalmente, como registrou Anthony Downs (Uma Teoria Econômica da Democracia), e o processo eleitoral é um dos elementos que movem a democracia representativa, a qual envolve uma série de disputas entre partidos políticos representados por candidatos.

Na análise de Downs, o termo racional não “é aplicado aos fins de um agente, mas (…) a seus meios”, resultando na “definição de racional como eficiente”, ou seja, na maximização de um “produto no caso de um dado insumo”, ou na minimização do “insumo no caso de um dado produto”. Assim, sempre “que os economistas se referem a um ‘homem racional’, eles não estão designando um cujos processos de pensamento consistem exclusivamente de proposições lógicas, ou um homem sem preconceitos, ou um homem cujas emoções são inoperantes. No uso normal, todos esses poderiam ser considerados homens racionais. Mas a definição econômica se refere unicamente ao que se move em direção a suas metas de um modo que, ao que lhe é dado saber, usa o mínimo insumo possível de recursos escassos por unidade de produto valorizado”.

A essência do político é faturar politicamente com uma boa administração, pois isso lhe garante capital eleitoral e político. Por isso, cabe à população não perder as oportunidades, estimulando-os a trabalhar em prol dela. Visitar lugares e vítimas atingidos por desastres naturais e pela incúria administrativa é o mínimo que esperamos de nossos representantes.

Pelo modelo de Anthony Downs, o conceito básico é o de racionalidade, importado das teorias econômicas e segundo o qual partidos e eleitores buscam alcançar a maximização da utilidade de suas ações, esforços e escolhas políticas. Sendo assim, o modelo está escorado na ideia de que a decisão do voto é “produto de uma ação racional individual orientada por cálculos de interesse, que levam o eleitor a se comportar em relação ao voto como um consumidor no mercado”; as eleições têm como objetivo a escolha dos representantes que desempenharão funções públicas e assim sendo, políticos e eleitores agem racionalmente, com os políticos querendo maximizar desejos pessoais: renda, prestígio e poder derivados dos cargos que ocupam; e eleitores, por sua vez, indicando preferências racionais entre partidos competidores alicerçados em uma comparação entre a renda de utilidade das políticas aplicadas pelo partido que se encontra no poder em relação a renda de utilidade se os partidos de oposição ocupassem o governo. Num sistema multipartidário, como é o brasileiro, o eleitor escolhe o partido no qual vai votar a partir da preferência dos demais eleitores, ou seja, se o de sua preferência não tem chance de vencer, ele vota em outro que venha a impedir o partido que ele antipatiza de ganhar o pleito. Nas palavras de Downs: “Um eleitor racional primeiro decide qual partido ele crê que lhe trará maior benefício; daí ele tenta estimar se esse partido tem qualquer chance de ganhar. Ele faz isso porque seu voto deveria ser ampliado como parte de um processo de seleção, não como uma expressão de preferência. Daí, mesmo que prefira o partido A, ele estará ‘desperdiçando’ seu voto em A se esse não tiver nenhuma chance de vencer porque muitos poucos outros eleitores o preferem a B ou C. A escolha relevante, nesse caso, é entre B e C. Como o voto em A não é útil no processo real de seleção, votar nele é irracional.”

Sem entrar no mérito humanitário da ação de Lula e de Tarcísio, como políticos os dois fizeram o cálculo.

***

Jornalistas, acadêmicos, artistas e políticos divergem em algumas coisas e convergem para um ponto, no caso do desastre ocorrido no litoral paulista: a desigualdade é o motor de tragédias do tipo.

Autoridades como Gilmar Mendes e jornalistas como Reinaldo Azevedo apontam para a necessidade de verbas para combater ou impedir que casos semelhantes venham a ocorrer (Gilmar) ou de políticas públicas que diminuam o fosso social (Reinaldo). Ambas exigem recursos públicos e pelo que é possível constatar, o judiciário, para ficar num dos poderes, o de Gilmar, não abre mão de um mísero centavo dos recursos que sustentam as benesses de seus servidores. Políticos que hoje ocupam ministérios no governo Lula aboletaram suas mulheres em postos muito bem remunerados nos tribunais de contas de suas capitanias. E assim segue o baile, dando ibope até cair no silêncio misericordioso de todos.

Próximo ano ou mesmo neste virá nova mortandade acompanhada dos discursos de sempre proferidos por autoridades, jornalistas, artistas…

Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

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