Fátima Bezerra, governadora do ar e da Lua
A governadora Fátima Bezerra, heroína de auditório e mártir do socialismo de camarote, é há certo tempo alvo preferencial de motoristas, ciclistas, carroceiros e até GPSs. As rodovias do pobre e desvalido Rio Grande do Norte não são estradas, são provações. Em 2022, a CNT jogou na nossa cara a verdade que os amortecedores já gritavam: 67,1% das vias estavam em estado regular, ruim ou comatoso. Asfalto? Só no discurso. Sinalização? Um delírio coletivo. O potiguar dirige como quem reza – e muitas vezes termina o trajeto em estado de graça ou de capotamento. Na melhor das hipóteses numa oficina ou num borracheiro.
Para remediar o apocalipse sobre rodas, Fátima sacou um plano com nome bonito e cifras maiores ainda: R$ 428 milhões do tal Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal. Parece nome de comprimido para ressaca administrativa. A promessa: restaurar 800 km de buracos com casca. Cita-se a RN-015, a RN-117, como quem menciona ruas de Paris. Há, inclusive, placas inaugurais mais novas que o próprio asfalto. É a estética da recuperação sem obra, a engenharia da esperança, o rorizismo vestido de vermelho e com estrela na testa.
Mas eis que, como nas melhores tragédias de quinta-feira, a realidade bate à porta – e sem freio ABS. A estrada para a praia de Pipa, que deveria ser o tapete vermelho do turismo potiguar, virou um caminho de pedras. E não do tipo bíblico, mas do tipo que quebra eixo. O governo? Diz que vai cuidar dela um dia. Talvez quando os dinossauros voltarem. Parte das obras foram “suspensas administrativamente”, expressão que, em bom português, significa “paramos, mas com classe”.
Voltemos um pouco mais no tempo. Para antes de Fátima. O ano era 2017 e o presidente da Assembleia, Ezequiel Ferreira, rogava pela RN-269 como quem clama por um milagre de Santa Luzia. Ou de Santa Rita. E veio a promessa. Em 2019, Fátima, recém-empossada e ainda acreditando em si mesma, atendeu ao apelo do parlamentar. Mas eis que o tempo passou – e o asfalto também. Cinco anos depois, a estrada parece cenário de filme pós-apocalíptico. Buracos disputam território com o mato. A iluminação é um conceito, não uma prática. E os motoristas, antes esperançosos, agora dirigem com a mesma expressão de um condenado indo para o cadafalso.
A cereja no bolo de brita é a duplicação da BR-304. São R$ 700 milhões prometidos com pompa e PowerPoint. Uma obra federal, mas que Fátima abraça como se fosse dela, como quem carrega um filho bonito que não é seu, mas rende boas fotos. Vale lembrar que a duplicação da Reta Tabajara, de míseros 20 km, levou mais de dez anos. A BR-304 tem quase vinte vezes isso. Se tudo correr bem – o que nunca corre, em se tratando de Brasil – estará pronta no século XXIII, com direito a inauguração transmitida via holograma.
Enquanto isso, nossa governadora desfila pela Europa como uma estadista sem pátria – talvez buscando inspiração nos pavimentos suíços, franceses, alemães. Nos intervalos entre um fondue e outro, aparece em arraiás, cercada de secretários sorridentes, músicos pagos e um cordão de chaleiras tão grande que falta espaço nos palcos e nos salões de dança. As estradas, essas infelizes de asfalto furado, que esperem. Fátima tem sonhos maiores. Sonha com o Senado. Se bobear, com a Unesco, afinal é mulher é professora. Sonha com Brasília, com o poder, com o discurso eterno. Enquanto isso, nós sonhamos com uma operação tapa-buraco que mantenha o asfalto até a próxima chuva.