Filho não é cargo

por Sérgio Trindade foi publicado em 26.nov.17

O historiador Maurice Crouzet afirma que durante grande parte do período medieval a família era a célula básica da sociedade e os laços de parentesco sangüíneo exerciam uma grande influência nas relações sociais.

O nome da família era um legado, sobretudo para os nobres, e devia ser perpetuado e respeitado, pois era uma quase garantia de ocupação de cargos e funções importantes. Não valia o mérito. Valia o sangue, a herança familiar.

Analisando a formação da sociedade brasileira no período colonial, Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, afirma que “imerso em si mesmo, não tolerando nenhuma pressão de fora, o grupo familiar mantém-se imune de qualquer restrição ou abalo. Em seu recatado isolamento pode desprezar qualquer princípio superior que procure perturbá-lo ou oprimi-lo”. E o resultado, como não poderia deixar de ser, complementa o estudioso, é predominar “em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família.”

Como professor converso com muita gente todo dia. Alunos, pais de alunos, colegas de trabalho, entre outros. E é unânime o desalento de muitos com os rumos políticos no Brasil e no Rio Grande do Norte.

O descalabro que se constituiu na eleição de 2014 é quase um acinte, quando um sem-número de candidatos exibiu currículo vistoso com uma, e somente uma credencial – a de filho. É muito pouco, quase nada, para desempenhar a contento um mandato parlamentar. Alguns dos filhos se dizem vocacionados para a vida pública. Como descobriram isso? Não consta que o pimpolho que descobriu a vocação para a vida pública tenha feito política em algum instante da vida, exercido alguma função pública com bons serviços prestados na área na qual atuou ou  mesmo uma miltanciazinha na movimento estudantil.

Pois é, tivemos em 2014 a eleição dos filhos. Foram muitos os que estiveram a concorrer a um cargo público, num arremedo de república que beira o monarquismo.

As lideranças politicas do velho e sofrido Rio Grande do Norte não querem abandonar as práticas deletérias, espúrias, nefastas e nefandas de se locupletarem com dinheiro e cargos públicos. Fazem da representação política uma escora na qual se homiziam mimados e despreparados, quando ali deveriam estar os verdadeiramente vocacionados, característica que não é dada pelo sangue, mesmo porque, como diz Sérgio Buarque, o Estado não é “uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes uma descontinuidade e até uma oposição.”

 

 

Por Sérgio Trindade

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