Lula é Trump, Trump é Lula e os dois não são Milei
Enxergo Lula e Trump e não vejo dois homens. Vejo um só, um monstro de duas cabeças nascido do ventre do mesmo circo. Em termos de comportamento (esqueça, meus três ou quatro leitores, a ideologia, essa fantasia de intelectual) são gêmeos siameses unidos pelo umbigo do narcisismo. Dois velhos, um vindo do meio empresarial e outro do meio operário, que se fizeram políticos, cospem no mesmo espelho e adoram o reflexo que lhes devolve.
Falam sincera e abertamente? Não, mentem quase sempre, escondem o que não lhes interessam. Mentem não somente por estratégia, mas por respiração. É um estado de ser. É a língua de plástico que se molda ao ouvido da massa. Afinal, o que é a plateia, senão um coro de almas vazias ávidas por um ditador de si mesmas? E eles – Lula e Trump – são os condutores dessa orquestra desafinada. São populistas no sentido mais cru e caricato da palavra, pois representam aquele sujeito que promete o céu sabendo que vai entregar o inferno, mas com um sorriso de canto de boca que faz o eleitor acreditar que o fogo é um dom.
Mudam de posição? Mas é claro! Exigir satisfação é um pecado de classe. O eleitor médio brasileiro, esse ser tragicômico, não quer coerência. Quer um pai. Um pai que brigue no lugar dele, que xingue os inimigos imaginários, que transforme a complexidade da vida num conto de fadas às avessas. E esse eleitor, ah, esse eleitor. insiste, com a teimosia do vira-lata (hoje rebatizado como caramelo) em prestigiar o tosco, o despreparado, o histrião. É a sua vingança inconsciente contra a própria mediocridade. Ele elege o seu igual, só que com poder. É o complexo de vira-lata em sua expressão máxima; adoramos um cacique porque no fundo nos sentimos índios de segunda categoria.
E o Estado? O Estado é o butim, o patrimônio pessoal do capitão do mato. Existe para servir às vontades e aos caprichos deles, sim. Lula e Trump são, no fundo, dois coronéis de uma República que nunca deixou de ser velha. O Estado é a vara de marmelo que usam para bater nos desafetos e o pote de mel que lambuzam para os seus.
Agora, falemos do pecado capital, o narcisismo. Isso não é política, é patologia de ambulatório. É a grandiosidade de quem se acha um Napoleão de boteco. É a necessidade de admiração, um buraco negro que suga todos os elogios e ainda pede mais. É a falta de empatia, essa cegueira da alma que os impede de ver o outro como algo além de um degrau. Eles se sentem únicos em sua capacidade de transformar a coisa pública numa farsa de revista de meia-entrada.
É uma peça encenada numa birosca de beira de estrada. Dois Édipos que, em vez de fuçar os próprios olhos, cegam a plateia que fervorosamente os aplaude – e aplaude o próprio fim.
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E Milei, hein, a ovelha negra do apocalipse? O que dizer desse louco, desse profeta de um apocalipse liberal que desembarcou na América Latina como um extraterrestre num baile de máscaras?
Enquanto Lula e Trump são o passado que teima em não morrer, Milei é um delírio do futuro. É um fenômeno raro, um animal político que não se encaixa na velha dicotomia entre a esquerda caduca e o conservadorismo cultural que anima a direita brasileira, uma direita que, quase sempre, cheira a naftalina e missa das sete.

Imagem feta com auxílio de IA
O homem é um libertário. Grita, esbraveja, sacode os cachorros. Seu governo pode dar certo? Pode dar errado? Isso é o de menos. O espetáculo é ver a peça. Ele pode ser um gênio ou um louco varrido, mas é inegavelmente outra coisa. É a negação do consenso morno, do arrumadinho, do jeitinho.
E aqui está o ponto que a ninguém interessa, o segredo de polichinelo que a grande mídia, com sua burrice solene, é incapaz de entender, pois, apesar do discurso anarquista de campanha, na prática a formação de governo e a agenda de reformas de Milei segue um receituário clássico, quase chato, de um liberalismo econômico ortodoxo. É um anarcocapitalista que, no poder, age como um ministro da Fazenda vestido como um manequim de Chicago.
Pouca gente na mídia entende isso. Como poderiam? Eles sequer entendem quem é Milei. Eles olham para o homem que grita e brande uma motosserra e veem apenas um maluco. Não enxergam o cálculo, o método, a frieza por trás da performance. Erram as análises porque são incapazes de decifrar um código que não está no seu manual de clichês e de chavões.
Milei é o estranho no ninho, o ator que chegou ao palco errado e decidiu encenar uma peça que ninguém conhece. Pode ser um fracasso retumbante. Pode ser um sucesso estrondoso. Mas, por ora, é a única coisa interessante num cenário político tomado por zumbis e placebos. É a esperança de uns, o pesadelo de outros, e, para todos, um espetáculo digno das melhores (ou piores) tragédias.