Lula III, Dilma II ou Bolsonaro I?

por Sérgio Trindade foi publicado em 31.jan.23

No discurso feito logo após a divulgação dos resultados, o presidente Lula falou sobre reconciliação e pacificação do Brasil. Ele, porém, terá dificuldades para alcançá-la, pois absteve-se, durante quase toda a campanha de abrir canais que permitissem trazer para o seio do grupo que liderava a diversidade de ideais e interesses que dizia querer representar. Sempre que cobrado a revelar o programa de governo, dizia saber o que e como fazer, afinal já fora presidente por dois mandatos.

O grande problema do governo nos meses vindouros será resistir à tentação de falar para os petistas de almanaque.

Se cair na tentação de falar olhando para eles e esperando a concordância deles, esquecendo-se que ganhou com os votos de eleitores relutantes e desconfiados, não teremos um Lula III, mas uma Dilma II ou mesmo Bolsonaro I, com sinal ideológico trocado.

17/11/19 – Festival Lula Livre, pátio da igreja Nossa Senhora do Carmo, Recife-PE. Foto: Eric Gomes

Nem adianta ficar resmungando ou fazendo beicinho: “Mas nós ganhamos a eleição.” Ganharam não. Os votos dados a Lula, no primeiro turno, mesmo com acrescentando-se parcelas significativas do eleitor anti-Bolsonaro, não foram suficientes para ganhar a eleição. O eleitorado de Lula mesmo estava entre 30% e 35%.

Os recalcitrantes ainda podem dizer que “não há graça alguma em ganhar a eleição e não sustentar as nossas pautas.” Ora, a vitória foi de apenas dois milhões de votos de diferença, rachando o país ao meio, logo os não petistas compõem a maioria do eleitorado.

Respeitar a soberania de Cuba e da Venezuela não significa tratá-las com carinho, mas tratá-las com a dureza necessária, sem se intrometer nos assuntos delas; defender e respeitar minorias não exige adotar palavras que corrompem a norma culta (todes, menines, etc); persistir na narrativa do golpe ao se referir ao impeachment de Dilma macula as instituições, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal, dois dos poderes da República que Lula diz defender.

O pior é que Lula tem necessidade, porque se fez assim, de dividir, num binarismo grosseiro e simplificador, o mundo, as pessoas e a política; para ele, tudo pode ser reduzido simploriamente a uma luta do bem contra o mal, de pobres contra os ricos, dos que cuidam do pobre contra os que ficam apenas mirando a política fiscal. Em suma: é o velho nós contra eles. E num ambiente que já é desagregador, desagrega ainda mais ao incentivar a polarização, atacando com frequência o candidato derrotado e alguns dos seus eleitores, mesmo daqueles que demonstram claramente manter distância dele. É uma política inconsequente, que falta à promessa de reconciliar o país consigo mesmo. Nem menciono que qualquer um que se aventure a fazer crítica pontual à postura de Lula seja logo apontado como bolsonarista ou extrema direita.

No último dia 27 (sexta-feira), Lula se reuniu com os governadores de estado e uma vez mais pregou a necessidade de garantir que a disseminação do ódio acabe (https://www.band.uol.com.br/bandnews-fm/noticias/lula-se-reune-com-governadores-e-pede-pacificacao-do-brasil-16578189). Não adianta, no entanto, reunir-se com governadores prefeitos ou membros do Congresso e do STF para dizer uma coisa e, nos dias seguintes, atuar na contramão do discurso feito.

Se a hora é de diálogo e de construção da paz, o objetivo não será atingido a contento dando botinadas naqueles que se pretende atrair para a conversa.

***

Em tempo: a imprensa e o parlamento precisam entender que Jair Messias Bolsonaro não é mais o presidente do Brasil desde 01 de janeiro de 2023. Quem governa o Brasil, desde então, é Luiz Inácio Lula da Silva, logo é o governo do petista que deve ser fiscalizado pela imprensa e pelo parlamento e criticado pelos grupos oposicionistas. Tudo dentro dos princípios democráticos, para gáudio da sociedade.

Aos que pensam e insistem na necessidade de punir Bolsonaro para evitar um mal maior à democracia, rebato: se o ex-presidente cometeu crimes, que seja processado e – dentro dos ritos judiciais – se condenado, punido.

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