O Einstein fake do Planalto
Essa discussão aberta por Lula sobre o relativismo democrático me lembrou uma passagem de Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, no qual a professora diz que “com a teoria da relatividade de Einstein ficou mostrado que as leis da física não são objetivas e dependem de observador”. A passagem escrita ali abre brecha para que seja dado suporte ao relativismo epistemológico, cultural e moral, contribuindo para que a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, gere muitas compreensões equivocadas acerca do seu real significado.
Os fundamentos da civilização ocidental, base das modernas sociedades democráticas, foram construídos distantes do relativismo moral, pois se assim não fosse, se todos agissem como se o certo e o errado fossem somente questão de opinião, a sociedade viveria num contexto de instabilidade frequente e, no limite, implodiria, pois sobressairia sempre o mais forte. Seria a barbárie.
Quando Lula diz, para defender e legitimar o governo de Nicolás Maduro, que a democracia é relativa, ele está abusando do direito de falar bobagem. Sempre abusou. Na era pré-massificação da internet isso era pouco notado. Nos dias de hoje, quando os indivíduos estão o tempo todo conectados, qualquer deslize é imediatamente captado por centenas de câmeras e microfones e correm o mundo em questão de segundos. Assessoria de comunicação alguma consegue conter a avalanche que se segue.
Para que haja democracia não basta ter eleições. É uma verdade que independe do observador.
No regime nascido em 1964, após a deposição do presidente João Goulart, o Congresso Nacional funcionava e os Presidentes da República eram eleitos a cada 4 ou 5 ou 6 anos. A cada 4 anos havia eleição parlamentar. Havia eleição e, portanto, havia democracia, conforme a régua de Lula. Se assim é, reavaliemos todo o período no qual os militares deram as cartas no Brasil, entre abril de 1964 e março de 1985, e reposicionemos o regime chamando-o de democrático.
Democracia nunca é relativa.
As democracias têm um traço bastante elementar: a oposição precisa disputar eleições podendo vencê-las e os vencedores, mesmo opositores, precisam ser empossados nos cargos para os quais foram eleitos. Isso não era verdade para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida ao autoritarismo do regime de 1964. Também não é verdade para os opositores do chavismo, hoje liderado por Nicolás Maduro.
No início do regime de 1964, o advogado Sobral Pinto foi interpelado por um militar que lhe disse: “Na democracia brasileira agora é assim”. Sem titubear, o advogado católico que defendeu o comunista Luís Carlos Prestes durante o Estado Novo rebateu: “Eu conheço peru à brasileira, democracia não. Ela é uma só”.
No documentário Sobral – o homem que não tinha preço, o humanista admitiu que apoiou o golpe. Talvez isso tenha contribuído para o aperfeiçoamento do seu pensamento. Lula nasceu na luta sindical no início do fim do regime autoritário e participou das diretas-já e segue, agora, abraçado ao que há de pior na América Latina e parece, para ficar no próprio Brasil, mirar em Ernesto Geisel e não em Sobral Pinto. Disse Geisel, um mês após o Pacote de Abril: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas. Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos EUA, na França ou na Grã-Bretanha”.
Há distintos modelos de democracia, com ênfase em um aspecto ou outro da experiência democrática, e todos eles refletem uma noção mínima e compartilhada do que é democracia. Em todos dá para fazer a distinção entre democracias e ditaduras. Em nenhum a Venezuela de Maduro se enquadra como democracia.