Odiado à direita e à esquerda

por Sérgio Trindade foi publicado em 11.fev.25

Poucos homens públicos são tão detestados quanto o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. É a constatação que faço sempre que olho as redes sociais e vejas as menções a ele.

Direita e esquerda o odeiam pelas virtudes que FHC teve/tem. E eu já disse isso em conversa com colegas professores federais, que invariavelmente sacam do bolso do colete as suas demandas pessoais ou de classe para atacar o ex-Presidente.

A direita odeia Fernando Henrique porque ele foi, no Brasil, o principal artífice do estado social.

Era sabido, desde a Constituinte, que os princípios da Constituição não se manteriam de pé sem um aporte fiscal significativo. Por isso, a carga tributária aumentou 5% do produto interno bruto (PIB) entre 1994-2003, para financiar o sistema único de saúde (SUS), a universalização da educação básica e outros alicerces do estado social.

O tucano também foi o primeiro Presidente a colocar no centro do debate pautas liberais-progressistas como o casamento igualitário e a avançar no reconhecimento da chaga histórica do preconceito contra os negros no Brasil. Órgãos como a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o Programa Nacional dos Direitos Humanos foram criados no governo dele.

A esquerda odeia Fernando Henrique porque ele abraçou a ideia da economia de mercado, quando Ministro da Fazenda, e, depois, como Presidente da República.

No Ministério da Fazenda deu a chancela política ao plano de estabilização que acabou com a hiperinflação no país. Foi o Real, o plano saído da cartola do pessoal da PUC-Rio e bancado por ele, que o levou, por duas vezes, à Presidência da República. As duas no primeiro turno, vencendo Lula em ambas.

Sem a estabilidade econômica trazida pelo Real, seria praticamente impossível planejar política pública. E ressaltemos, a esquerda liderada pelo PT fazia campanha, em 1994 e 1998, contra o Real. O mesmo ocorria com a direita mais renhida, representada por Jair Bolsonaro e Enéas Carneiro.

Hoje muita gente esquece convenientemente que foi durante os anos FHC que nasceu o sistema de transferência condicional de renda, com o bolsa escola, o vale gás e o cadastro único, que unificaria posteriormente todos os programas num único, o bolsa família.

Para quem não lembra, quase toda a esquerda brazuca chamava esses programas de neoliberais, pois buscavam fazer inclusão focalizada via mercado.

Quanto à zanga dos funcionários públicos, reconheço-a, sendo funcionário público, como choro de quem perdeu privilégios insustentáveis.

Há, claro, erros lastimáveis cometidos por Fernando Henrique, o maior deles patrocinar a emenda da reeleição e dela se beneficiar. Há quem defenda a tese que a reeleição garantiu a sobrevivência do Plano Real e a estabilidade econômica por três décadas, por três vezes, final de Lula 2 e com Dilma 1 e agora com Lula 3, ameaçada pela sanha gastadora esquerdista.

Um outro erro foi não ter ido além na reforma do Estado, notadamente nos gastos previdenciários e salariais. Segundo analistas, não haveria força política, naquele momento, para aprofundar as reformas necessárias e Fernando Henrique deixou a tarefa aos seus sucessores que, de modo geral, não tiveram ânimo e grandeza para fazê-las.

No fim, dada a comparação recente que temos, eu presumo que a História será generosa com Fernando Henrique Cardoso, pois ele foi um Presidente que soube se livrar das suas próprias amarras ideológicas, todas ainda da época da academia, para trazer o Brasil para a modernidade das democracias liberais de mercado, sem esquecer a inclusão social e a redução da pobreza. Foi um dos poucos Presidentes deste país que se dispôs a resolver, feitas as ressalvas já indicadas, problemas para além da campanha política seguinte.

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