Quando “progressistas” chamam qualquer um que deles discordem de fascistas
Sou professor há três décadas e nunca vivi um momento politicamente tão caótico e intolerante como o que estamos vivendo nos últimos sete ou oito anos, mais precisamente desde as jornadas “democráticas” de 2013.
A coisa, intuo, já estava em semente, no Brasil, nas eleições presidenciais de 2010, quando o tucano José Serra ameaçou, no segundo turno, a permanência do PT no Palácio do Planalto. Ali, lembro bem, (re)começou a mania que parte da esquerda tem de se referir como fascistas aos que dela discorda. Afinal, o fascismo é uma muleta a qual muitos “progressistas” recorrem para fugir das contradições nas quais estão enterrados até o pescoço. Eu mesmo já fui chamado, pelas costas de fascista por colegas, alguns inclusive aboletados em cargos de mando. Faço, por ora, pouco caso, afinal, como diz o preceito bíblico, não devemos dar “o que é sagrado aos cães” e nem atirar “perolas aos porcos; pois estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão”.
Chamar alguém de fascista e nazista e compará-lo com Hitler se tornou tão popular que a expressão ganhou até uma expressão em latim: reductio ad Hitlerum – uma analogia à expressão reductio ad absurdum, conhecido argumento lógico baseado na prova por contradição e usado geralmente para indicar a falácia de se comparar alguém a Hitler.
Nas discussões sobre política, tais comparações são comuns e na internet, então, são abundantes, a ponto de um estudioso do fenômeno, o norte-americano Mike Godwin, formular a famosa Lei de Godwin, também conhecida como Regra das Analogias Nazistas de Godwin, segundo a qual se uma discussão for longe demais, em algum momento alguém vai recorrer à comparação com Hitler. Segundo Godwin, o objetivo de sua lei é justamente demonstrar como a comparação é quase sempre sem sentido, estapafúrdia, e quem a traz à baila está sempre na superficialidade e, na verdade, carece de argumentos ajuizados para enfrentar o debate.
As jornadas pretensamente democráticas de 2013, as eleições presidenciais de 2010 e de 2014 (principalmente esta última) e o processo político que resultou no impeachment de Dilma, em 2016, acirraram as disputas por espaços de poder e fizeram a esquerda, emparedada como estava, radicalizar o discurso acusando de fascista qualquer um que discordasse de suas posições pretensamente progressistas. Cheguei a dizer, entre 2015 e 2016, nos espaços que frequentava, inclusive na instituição em que trabalho, que usar o termo fascismo como insulto só aumenta o nível de agressividade do debate, forçando uma polarização do outro lado. Em ambientes assim, as posições politicamente razoáveis são engolidas pelo tsunami de malquerença dos lados em disputa.
Atacar os outros de fascistas e coisas do tipo é um erro retórico grande. Palavras e termos fortes devem ser usados para formular argumentos bem embasados e não serem utilizados sem fundamentação. Ademais, comparações equivocadas, sem lastro na realidade, banalizam uma quadra histórica única na história da humanidade.
Lembro de Ariano Suassuna analisando matéria de jornal cujo título era: “Banda Calypso, preferência nacional”. Em dado momento, Ariano leu trecho que diz “O Chimbinha é um guitarrista genial” e finalizou a sua análise assim: “Se eu admito, se eu uso a palavra genial com Chimbinha, o que é que eu vou dizer de Beethoven”.
Se eu uso a expressão fascista e nazista para qualquer um que de mim discorde, o que direi se o fascismo e o nazismo um dia baterem à minha porta?