Coronelismo e coronéis (4)

por Sérgio Trindade foi publicado em 23.fev.25

Como mencionei no texto anterior desta série, para compreender a dinâmica entre governadores e coronéis é essencial entender que, no coronelismo, não era suficiente conquistar a liderança – era crucial saber mantê-la.

Embora a força fosse um componente significativo da dominação e da liderança dos coronéis, já que, como observa Victor Nunes Leal em seu clássico Coronelismo, enxada e voto, as “relações do chefe local com o seu adversário raramente são cordiais”, prevalecendo a hostilidade, a liderança não se sustentava apenas pela coerção. Era preciso compreender as necessidades e os interesses do município. Por isso, nos intervalos entre as campanhas eleitorais, as relações entre os adversários frequentemente melhoravam, “chegando eventualmente a ser amenas e respeitosas”.

O governo estadual dependia da influência dos coronéis, e estes, por sua vez, sem o apoio do governo, perdiam poder local, pois tudo o que faziam – para o bem ou para o mal – não poderia “assumir as proporções habituais sem o apoio da situação política estadual para uma ou outra coisa”. Isso porque a maior parte dos recursos destinados aos municípios vinha do Tesouro estadual ou federal, e os funcionários públicos locais eram indicados pelos coronéis.

A lista de favores, muitos de natureza pessoal, não para por aí.

Como os serviços públicos no interior eram precários, já que os municípios não dispunham de recursos suficientes para atender às suas demandas, as oligarquias estaduais, conforme Victor Nunes Leal, direcionavam os recursos, também limitados, para os “municípios cujos governos estejam nas mãos dos amigos”, reforçando a ideia de que a fragilidade financeira dos municípios era um fator determinante para a perpetuação do coronelismo em sua vertente governista.

Atuando na política e complementando a administração pública no âmbito municipal, os coronéis operavam na fronteira entre o interesse particular e o público, utilizando o poder do Estado para fins privados. Por isso, mesmo que um coronel fosse oposicionista no plano municipal, ele precisava alinhar-se ao governo nos níveis estadual e federal.

Cabe aos coronéis pleitear e distribuir benefícios, proteger e mobilizar a segurança coletiva, articulando a comunidade, como destaca Raymundo Faoro em Os donos do poder, “ao sistema político e ao sistema sócio-econômico por via de elos flexíveis, suaves, familiarmente vinculados ao perplexo e desprotegido camponês”. Eles eram os líderes da comunidade sertaneja, responsáveis por lidar “com a polícia, com a justiça, com os cobradores de impostos”, e por lutar por obras públicas, como estradas e pontes. Um crime de morte, se deixado nas mãos de delegados, promotores, jurados e juízes, levaria o criminoso à prisão, a menos que o réu tivesse um “compadre ou padrinho”. Afinal, “quem tem padrinho não morre pagão”.

Paradoxalmente, Leal observa que o coronelismo não era tanto um produto da força e relevância dos senhores de terra, mas sim de sua decadência. Os fazendeiros só pareciam poderosos em contraste com a massa camponesa e os pequenos núcleos urbanos, subjugados e marginalizados sob seu domínio. O poder e a autoridade dos coronéis baseavam-se, portanto, em duas fraquezas que se alimentavam mutuamente:

  • a dos proprietários de terra, que recuperavam prestígio e poder ao se submeterem politicamente ao partido dominante; e
  • a dos trabalhadores rurais, que se submetiam às alianças políticas dos coronéis.

Os coronéis diferiam dos poderosos e rebeldes senhores do período colonial, que, baseados no sistema escravagista e patriarcal, eram a lei e o governo em seus domínios, onde o poder público raramente chegava. No entanto, a origem e a manutenção da influência do coronel, segundo Victor Nunes Leal, exigiam que ele se preocupasse com os interesses e necessidades de sua localidade.

Não há dúvidas de que “os principais melhoramentos dos lugares”, como escolas, estradas, correios, telégrafos, ferrovias, igrejas, postos de saúde, hospitais, clubes, campos de futebol, luz elétrica, rede de esgotos e água encanada, entre outros benefícios, dependiam do interesse e da insistência do coronel, do “seu esforço, às vezes um penoso esforço que chega ao heroísmo”. Essas realizações de utilidade pública, algumas das quais dependiam apenas de seu empenho e prestígio político, enquanto outras exigiam contribuições pessoais suas e de seus aliados, eram fundamentais para que o chefe municipal construísse ou mantivesse sua liderança.

Os coronéis dominaram o cenário político municipal durante quase toda a República Velha, mas as bases econômicas e sociais que sustentavam o seu poder foram gradualmente erodidas.

Sobreviveram, mas o fenômeno político que criaram e do qual se beneficiaram não persistiu.

Esse, no entanto, é um tema para o quinto e último texto da série.

 

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