Boulos e as inovações científicas e tecnológicas do MTST
Assisti vídeo do deputado federal Guilherme Boulos enaltecendo dois fantásticos e inovadores projetos do coletivo Quebrada Agroecológica, ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), do qual ele é um dos dirigentes/incentivadores: a construção de cisternas e de casas de taipa. Estas, na maior cara de pau do deputado paulista, chamadas de casas bioconstruídas. Em dado momento, Boulos diz que o projeto foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) (https://www.youtube.com/watch?v=7k4bbwoZWKk). Lembrou-me como alguns projetos de pesquisa são selecionados e premiados em instituições de ensino.
A colunista Madeleine Lacsko escreveu belo texto, na Folha de São Paulo, questionando o limite do fetiche da elite urbana por miséria (https://noticias.uol.com.br/colunas/madeleine-lacsko/2023/03/15/qual-o-limite-do-fetiche-da-elite-urbana-por-miseria.htm).
Palavra originária do latim cisterna, de cista, “caixa” e do grego κίστη (kistē), “cesta”, a cisternas são reservatórios utilizados para armazenar líquidos, geralmente água e, desde sua origem, foram construídas para coletar e armazenar água da chuva (https://www.ecocasa.com.br/cisterna-um-patrimonio-da-humanidade/).
Segundo Paul Kriwaczek (Babilônia: a Mesopotâmia e o nascimento da civilização), Pierre Lévêque (As primeiras civilizações: da idade da pedra aos povos semitas), Edward M. Burns (História da civilização ocidental, volume 1), entre outros, os povos do oriente próximo ou médio conviveram (e convivem ainda hoje) com a escassez de água e precisaram desenvolver variadas tecnologias para ter acesso ao precioso líquido. Provavelmente, a tecnologia das cisternas nasceu e se desenvolveu a partir da região, certamente no Levante, por volta do ano 5. 000 a. C. e a construção era feita sob as casas para armazenar água para diversos fins. Com o tempo, a cisterna tornou-se crucial no manejo de água nas comunidades agropecuárias.
A escassez de água potável é uma realidade em muitos lugares. No sertão nordestino é uma constante, dada a irregularidade das precipitações pluviométricas, razão pela qual é muito comum famílias e estabelecimentos comerciais e industriais recorrerem ao uso de cisternas para captar água da chuva, porque elas constituem soluções simples e eficazes como sistema de armazenamento de água. Não são inovadoras, mas, como dito acima, de tecnologia milenar.
A parte do vídeo sobre as cisternas revela um Boulos bobalhão. A que aborda as casas de taipa mostra um Boulos bobalhão e mal-informado (se formos condescendentes) ou intelectual desonesto, afinal graduado em filosofia, pela Universidade de São Paulo (USP), e filho de um casal de médicos (seus pais são médicos infectologistas), o atual deputado federal psolista não pode dizer que não tem acesso a informações necessárias sobre o assunto.
Como diz Madeleine Lacsko, as casas de taipa “são bonitas em fotografias e têm a vantagem de utilizar materiais e mão-de-obra locais, sendo mais sustentáveis que as de alvenaria”, no entanto há décadas iniciativas são feitas para “acabar com esse tipo de construção porque ela favorece a infecção por doença de Chagas, que gera progressivamente insuficiência cardíaca”, porquanto as paredes serem “feitas de barro e cascalho” e formarem buracos que garantem hospedagem para “o mosquito barbeiro, vetor do protozoário Trypanosoma cruzi, transmissor da doença”. Para reforçar o que diz, a colunista se socorre com o doutor em medicina e pós-doutor em imunopatoligia molecular, Bruno Filardi, para quem há “relação direta entre esse tipo de construção e a doença”.
Lembro de dona Candoca, minha professora no 1º ano primário, em 1974, em Florânia, dizendo que o barbeiro crescia em casas de taipa e era muito perigoso porque fazia o coração crescer até não caber dentro do peito.
É, para dizer o mínimo, bizarro assistir o deputado federal mais votado de São Paulo, segundo colocado no pleito para prefeitura paulistana, em 2018, e apontado como potencial presidenciável, filho de médicos infectologistas, defender, com orgulho, que pessoas residam, em pleno século XXI, em casas de taipa. Ainda há, é certo, gente morando em edificações assim. Não por questões ecológicas, mas por falta de ação eficaz de gestores públicos ou por demagogia de parlamentares como Boulos.