O voto ri para não chorar

por Sérgio Trindade foi publicado em 21.jun.25

No Brasil, eleições raramente são levadas a sério. Por aqui, ir às urnas é como ir ao circo: sabe-se que o espetáculo será pitoresco, ridículo mesmo, mas ao menos vale a gargalhada. O processo virou uma micareta com palanque, recheada de promessas absurdas, figurinos carnavalescos e criaturas que parecem ter saído de uma paródia mal escrita e mal ajambrada. Candidatos dançam, cantam e berram slogans que fariam vergonha a qualquer vendedor de feira: “Vote no Zé da Tapioca, o único que enrola de verdade!”. Entre os concorrentes, aparecem figuras como Delegado Pipoca, Maria da Galinha, Zé Rola e o onipresente Bin Laden do Sertão – personagens que dizem mais sobre o estado da política do que qualquer analista de gabinete.

Essa fauna eleitoral não é obra do acaso, mas o retrato fiel de um país em que partidos políticos se distanciaram tanto da realidade que o eleitor, esgotado, prefere o exótico a apoiar mais do mesmo. O bizarro virou sinônimo de honestidade. Em 2010, Tiririca, com seu bordão “Pior que tá, não fica”, mostrou o que boa parte da classe política se recusa a admitir: não é o povo que virou palhaço – é o sistema que montou o circo. O ex-palhaço apenas assumiu o papel que a maioria dos doutores já vinha interpretando, só que sem maquiagem.

No fundo, o voto no candidato esdrúxulo é um grito. Não é desprezo pela política, mas um protesto contra ela. Já foi assim com o rinoceronte Cacareco, com o Macaco Tião… Diante de tantos figurões plastificados, o eleitor escolhe o único que não finge ser o que não é. Pode até sair decepcionado após a contagem dos votos, porém teve, ao menos, a ilusão de estar rindo por escolha própria, não por desespero.

Sou de Natal e vivi minha infância em Florânia, no interior do Rio Grande do Norte. Foi lá que aprendi a rir da política antes que ela risse de mim. Nas décadas de 1980 e 1990, sempre voltava para as festas, onde os causos políticos eram um dos pratos servidor em botecos. A ditadura havia acabado há pouco, e os anos de chumbo ainda ecoavam nas histórias que circulavam entre um gole e outro.

Mesmo com eleições viciadas e limitadas, nos anos 1960 a 1980, o folclore eleitoral era abundante. Candidatos faziam acrobacias por voto e por conchavo. Registro dois episódios:

1 – Filho de coronel, mimado e mandado para a capital para virar doutor, o rapaz se forma em Direito, ganha um anel e uma candidatura a prefeito. Daria continuidade à dinastia. No palanque, exibe seu vocabulário como se estivesse recitando Camões num açougue. Numa comunidade no alto da serra, solta discurso hermético e leva uma vaia. Irrita-se e rebate com um palavreado agressivo e ainda mais empolado. Alertado pelo pai, tenta consertar: “Sou civilizado e não costumo destratar opositores, mas se me pressionam e sobem em cima de mim, perco a compostura”. Finalizada a grande festa cívica, um homem simples, agricultor, aproximou-se do jovem doutor e disse: “Doutor Joãozinho (o nome é fictício), o senhor não fique brabo com o povo daqui. Ouvi tudo o que o senhor falou e o final foi muito bonito, Entendi bem a sua situação. Olhe, eu tenho uma filha que muito novinha perdeu a compostura. Era muito inocente e foi enganada por um desses homens da capital. Eu botei ela pra fora de casa, mas depois que vi meu netinho, esqueci tudo e trouxe ela pra morar lá em casa de novo”.

2 – Um candidato a deputado federal pelo MDB viajava pelo interior para campear eleitores. Os cabos eleitorais garantiam números. Numa cidade pela qual passava, encontrou a população em clima de velório. Morrera um adversário seu, homem que pertencia à ARENA, partido de sustentação ao regime autoritário. O homem não bem um adversário. Era inimigo mesmo. No entanto, para demonstrar civilidade, o aspirante a deputado resolveu ir ao velório. Orador de talento, aproveitou a oportunidade para se vingar – e pediu a palavra, na hora que o féretro ia sair em direção ao cemitério: “Antônio de Assis, era um adversário político. Radical, é verdade, mas justo e digno, um pai de família exemplar e um grande onanista, o maior que este estado teve”. Foi ovacionado. Toda a família do morto foi abraçar o candidato.

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