Um dia com a saúde pública natalense

por Sérgio Trindade foi publicado em 08.ago.17

Um furúnculo emergiu no meu pescoço. Coisa que acontece amiúde, diga-se. Meu sangue não vale um centavo. O problema é que o recém-nascido tumorzinho inchou bem mais que eu esperava – ficou igual a um cajá-manga, doendo desbragadamente. Cheguei ao trabalho me esvaindo. Não aguentei o rojão e, incontinente, dirigi-me à coordenadora pedagógica: “Graça, estou com muita dor. Vou deixar uma atividade para os alunos. Preciso de um posto de saúde. Você sabe onde há um aberto aqui perto a esta hora?”.

Ela falou que o posto de saúde do Satélite, a unidade número dois, ficava aberto vinte e quatro horas. Quem não dispõe de plano de saúde – a maior patifaria do Brasil, de longe – tem que se submeter ao tenebroso SUS. E eu estava prestes a reviver essa desgraça. Em 2006, depois de meter a cabeça no chão ao cair de uma rede, puto da vida com a virada da Argentina para cima do México, na Copa do Mundo, fui atendido no Pronto-Socorro Clóvis Sarinho. Lá, um enfermeiro costurou a minha cabeça como se costura o quengo dum galináceo. O trauma ainda perdurará por muitos anos…

Voltando à questão do posto de saúde. Graça, por gentileza, foi me deixar no local. O show de horrores começou logo no saguão. O recepcionista, um baixinho careca com cara de quem chupou uma dúzia de limões. Gritava, furibundo com todo mundo, e, quando alguém se queixava, dizia: “A diretoria funciona no prédio ao lado, terças e quintas, das 9h30 às 12h. Podem reclamar lá”.

Esse sujeito estava me deixando irritado de verdade. Segurei-me para não mandá-lo àquele cantinho especial. Como se não bastasse a dor que estava sentindo, ainda havia aquele filho de uma égua destratando os pacientes. Sem falar que o médico estava atrasado mais de uma hora.

As instalações físicas do posto de saúde eram um horror além: bancos desconfortabilíssimos, lodo por todo canto e mofo no teto; eu espirrava a cada cinco segundos. Se fôssemos dar crédito aos pronunciamentos da prefeita Micarla de Souza, pensaríamos viver num paraíso social, um Jardim do Éden terrestre, inclusive quanto à saúde municipal. A realidade está a anos-luz de distância dessa baboseira.

Quase uma hora e cinquenta minutos após a minha chegada àquela porqueira, fui finalmente atendido. O médico até que me tratou direitinho. Só me negou o atestado, dizendo que emergência em hospital público não fornece esse tipo de documento, só ambulatório – por que será?

Pouco depois, ele me encaminhou à sala na qual eu tomaria uma injeção para mitigar o sofrimento. A enfermeira me mandou deixar à mostra as nádegas, pois, se fosse aplicada no braço, a medicação causar-me-ia dor intensa. Quando indaguei a respeito da substância que entraria na minha corrente sanguínea, ela grunhiu algo ininteligível, aplicou a injeção e saiu, num rompante, da sala. Uma polidez digna de um membro da Câmara dos Lordes britânica.

Saí mancando do posto de saúde, a bunda toda doída. A promessa de menos dor foi pura cascata. Na realidade, a enfermeira devia estar interessada em olhar para meus glúteos brancos e desnutridos. Libertina! Fui-me nesse trôpego caminhar até à parada mais próxima; devo ter andado pelo menos um quilômetro. Peguei o ônibus e comecei a matutar um pouco. Fiquei pensando como o trabalhador brasileiro é desrespeitado, pisoteado e humilhado. Deve ser por isso que muita gente boa por aí alimenta o sonho de morar num paraíso celestial depois da morte, uma montanha de açúcar-cande, como dizia o tagarela corvo Moisés.

Por Cosme Neto

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