Quero ser gentleman
O texto abaixo é do professor Luiz Roberto, de Filosofia, colega de profissão e amigo com o qual tenho convergências e divergências intelectuais e com quem debato ideias desde que nos conhecemos.
Há alguns dias discorri sobre um rapazote que rechaçava o esforço intelectual e, provavelmente, o esforço moral para os jovens. No entanto, pus a mão na consciência e, agora, nego-me a continuar dando palco para o rapazinho. Pelo bem da verdade, ele nem precisa da atenção que dou para ele. Nunca podemos esquecer que ele tem “zincalhões” de seguidores virtuais e eu sou só um “Zé Ninguém” desconhecido.
Mas, ainda de mais relevância que tudo isso, é que não acredito que ele seja o cerne do problema. O que ele pensa, diz, e causa efeito no discurso público é apenas um sintoma. Ou como alguns gostam de falar “um sinal dos tempos”. Ele é a febre que surge por conta de alguma doença. Culturas doentias produzem sintomas dolorosos, e nós vivemos em uma realidade estranha. Somos mimados, e isso se deve, em grande medida, a todo o conforto que possuímos. Somos tão mimados que encontramos problema até na nossa língua materna: ela é patriarcal, machista e preconceituosa. Não é isso que se diz por aí?
Nestes dias tive uma surpresa agradável. Deparei-me com uma compreensão muito bem desenvolvida de alguns conceitos culturais e filosóficos de relevância para a vida contemporânea, os quais me causaram uma boa impressão na alma.
Para não ficar enrolando, sou obrigado a dizer que o conceito basilar que quero mencionar é o de Gentleman, invariavelmente mal traduzido para o português como cavalheiro, pessoa de fino trato, indivíduo gentil. E por aí vai…
Não é incomum atribuirmos ao Gentleman um certo esnobismo aristocrático, porquanto pensamos no “Sir” e “Lord” de origem britânica. Ligados à nobreza, à empáfia, a certo ar de superioridade em relação aos outros indivíduos.
Acabei percebendo que a compreensão radical de Gentleman passa longe disso, pois o Gentleman é um indivíduo que não se leva demasiado a sério. E, muito mais importante que isso, enquanto não se leva a sério, o Gentleman é aquele que considera de extrema gravidade o seu dever. É um indivíduo que sabe que o dever constrói.
O maior exemplo que tivemos de um Gentleman foi Winston Churchill. Ele foi o cara que teve coragem de apontar os problemas que ninguém queria ver. Ele assumiu o ônus de suas posições políticas e ideológicas como um gladiador romano. Ele denunciou “O Cabo”, Hitler, quando grande parte do mundo ainda admirava o Führer alemão. Ele apontou para os perigos do comunismo quando ninguém conseguia vislumbrá-los e quando todos estavam encantados com a suposta justiça social da mãe Rússia.
Pensando no Gentleman, pensando em dever, pensando em Churchill e outros personagens, fui obrigado a aceitar, por mais que me causasse um estranho incomodo, que a pessoa que reconhece seus deveres é um alienígena em uma realidade política e cultural pontuada pelo apelo aos direitos de toda variedade. Registro que não estou defendendo a ausência de direitos básicos. Nunca faria isso. Estes direitos foram, e são, profundamente defendidos desde a independência norte-americana, em 1776. Logo, o que quero dizer claramente, é que meu ataque é desferido contra a mentalidade vitimista que domina o mundo. A mentalidade que acorrenta as pessoas aos seus medos, às suas angústias, em que pese isso ser, na realidade, apenas histeria. Enfim, ataco a mentalidade mimizenta-progressista.
Os problemas individuais, desta forma, tornam-se problemas coletivos e são solucionados por meio da busca por direitos: “A sociedade que satisfaça minhas vontades. Não posso ser oprimido.” O que causa espécie é o apego a Mimos Universais para Todes. O que estranho é a busca incessante por pretensos direitos que nos levam para longe de qualquer observância dos deveres. Pois os deveres seriam os antípodas dos direitos nesse contexto mental.
O pensamento militante dominante é que os deveres oprimem. Em um mundo de relativização absoluta e contínua, não podemos lutar pela observância de um padrão qualquer. Assim, relativizamos a moralidade, a honra, a decência e o ser humano não mais consegue aceitar o peso da vida, posto que não existe um padrão mínimo para ele se mirar e dizer que vai por ali e por acolá.
O homem tornou-se um indivíduo que visa unicamente o prazer. Um hedonista descarado. Mas, não seria para menos do que isso, se o dever imprime na alma uma certa consciência de sentido da vida. Ainda que este sentido não seja único para todos. A ausência de qualquer padrão transformou o homem em um ser de moral e cultura completamente relativizadas.
O problema é que sabemos, desde Aristóteles, que aquilo denominado por nós de Felicidade é uma construção, ou melhor dizendo, um equilíbrio a ser mantido em uma alma virtuosa. As virtudes não são dadas. Elas são desenvolvidas e mantidas por meio de uma complexa conjunção de temperamento, exercícios intelectuais e ações ordinárias. Portanto, a felicidade não seria um sentimento para Aristóteles, mas um estado do espírito que deve florescer e ser mantido na luta, no exercício de ser humano.
E falo em virtudes porque vejo uma consanguinidade destas aos deveres. Só para constar: o Gentleman é aquele que não tem decoro algum em buscar o esforço moral, em cumprir aquilo que se espera seja cumprido. Missão dada, é missão cumprida para o Gentleman. Ele troça da facilidade do deleite imediato.
A questão é: existe espaço para o dever, em um mundo e em uma cultura onde o imperativo dos direitos de não ser contrariado é o que prevalece?
A tirania do politicamente correto está aí para nos mostrar qual é a resposta. Pois todos se ofendem com a mínima possibilidade de sofrer um contragosto…e buscam seus direitos.
Será que consigo ser um Gentleman?
Ainda que eu queira, digo que não.
No mundo dos direitos infindos e do politicamente correto já sei o que fazer: vou chorar!