A moeda e os primórdios da teoria monetária (1)
Eduardo Gianetti escreveu em sua belíssima obra O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros que as trocas “no tempo são uma via de mão dupla. A posição credora – pagar agora, viver depois – é aquela em que abrimos mão de algo no presente em prol de algo esperado no futuro”, com o custo precedendo o benefício. Temos, do outro lado, “a posição devedora – viver agora, pagar depois” (…) “situações em que valores ou benefícios usufruídos mais cedo acarretam algum tipo de ônus ou custo a ser pago mais à frente”. E prossegue: “A economia é parte de um todo. Muito do que se passa na atmosfera rarefeita das finanças guarda parentesco com situações e processos familiares em outras dimensões da existência”.
Pagamentos eram feitos, nos primórdios das trocas comerciais, em produtos. O escambo era a regra. A moeda foi instrumento criado para desenvolver as trocas, permitindo que elas mudassem de patamar. O escambo deu lugar, aos poucos, a processos indiretos de pagamento, porquanto a aceitação generalizada de certos produtos, recebidos em pagamento de transações econômicas cada mais intensas.
Alguns dos produtos escolhidos como intermediários de trocas passaram a expressar o valor de todos os outros. Essas medidas de valor foram manifestações primitivas de moeda, desempenhando progressivamente as funções de intermediárias de trocas, medida de valor, reserva de valor, entre outros.
Aristóteles foi o primeiro pensador, de acordo com Joseph Schumpeter, a desenvolver densas proposições sobre a essência “do papel da moeda, como meio de troca e como padrão de valor”, diferenciando claramente “os conceitos de valor uso e valor de troca”.
As reflexões do filósofo da Grécia antiga demonstram que muito do que é necessário à vida não é transportado com facilidade, obrigando os homens a empregar em suas transações algo intrinsecamente útil e facilmente aplicável aos propósitos comuns da vida, bens que, por se constituírem em padrões universais de medição, são veículos de troca e repositórios de valor.
Do fenomenal estagirita até o alvorecer da era moderna, praticamente nada foi elaborado de original em matéria econômica. A Escolástica, por exemplo, fez algumas abordagens sobre regras morais práticas para a ação econômica e nada em termos de investigação sobre os sistemas sobre os quais tais ações se fundamentariam.
O clima do Renascimento, porém, mudou a direção dos ventos e um francês, Jean Bodin, esforçou-se para demonstrar que o aumentos dos preços na França era decorrência do aumento da quantidade de ouro e prata, tese exposta por Hamilton em O Tesouro Americano e o Desenvolvimento do Capitalismo.
A tese do renascentista francês é uma formulação original, embora sintética, do que viria a ser chamada de teoria quantitativa da moeda, proposição que explica as variações dos preços por mudanças introduzidas na quantidade de moeda em circulação e que seria retomada e reformulada, no século XVII, pelo inglês John Locke, para quem o valor da moeda em relação às outras mercadorias depende da quantidade e da velocidade de sua circulação.
O escocês John Law formulou um conjunto de ideias sobre as relações entre a moeda e atividades econômicas. Para ele, a expansão da oferta monetária incrementaria o comércio e, por tabela, o nível geral de atividades. As suas proposições levaram à emissão de moeda sem lastro, ao consequente aumento da inflação e à perda da confiança da confiança do público na moeda.
A teoria monetária seguirá, daí em diante, primeiramente com Adam Smith e David Ricardo, a senda do quantitativismo, caminho aberto por Bodin no século XVI.