Pacotinho fiscal
Sou, por motivos profissionais, um resistente. Assisto a todos os noticiosos de TV aberta e fechada.
Num deles, vi André Trigueiro tecendo comentários sobre o pacote fiscal lançado pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda. Diz o jornalista: “Em um governo de centro-esquerda, eleito democraticamente em um dos países mais desiguais do planeta, não dava para esperar do Presidente Lula que fizesse exatamente aquilo que a cartilha da Faria Lima determinava, (…) “é importante reconhecer: esse pacote mexeu em vespeiros que até hoje ninguém chegou perto. Quando você fala da previdência dos militares, a gente está falando de um assunto que, de fato, precisa ser repensado (…). Precisa discutir a tributação dos altos salários, os supersalários que existem no setor público (…). A gente não pode se declarar surpreso com o que houve”.
As torcidas envolvidas da peleja política atual dizem que a mídia é comprada, elogiando Lula, segundo bolsonaristas; ou elogiando Bolsonaro, segundo os lulistas.
É impossível não reconhecer que a Globo News praticamente se transformou num braço midiático do governo.
A postura de André Trigueiro e de Marcelo Lins correndo para defender o pacote remendado de Haddad com a ladaínha de sempre é constrangedora. Ou patética. Para Lins, se o “pacote tivesse vindo com R$ 200 bi, era capaz de haver no mercado gente reclamando que não era austero o suficiente. Por quê? Porque o mercado sempre estará pendendo por mais austeridade”.
Quase todos que estavam na bancada na última quarta-feira são ignorantes no tema ou se fingem de desavisados para não desagradar a militância.
Se esse pessoal fosse sério reconheceria que dólar alto é um sinal ruim sobre o estado da economia. Tanto que se sobe demais, qualquer governo corre para sanar o problema, ainda que faça críticas vazias e genéricas acerca da ganância do mercado.
No primeiro governo Lula, o governo fez recorde de superávit, ao mesmo tempo em que também fez gastos sociais recordes, sem contar rasgos demagógicos com subsídios, salários, etc. No entanto, aquele era um Brasil diferente, ainda que o governo Lula fingisse e gritasse sobre uma tal herança maldita recebida de Fernando Henrique Cardoso.
Naquele momento, a população crescia 1,3% ao ano, o preço dos produtos exportados subia 30% ao ano, a inflação estava sob controle, etc. Mas o Brasil e mundo estão bem diferentes. Atualmente os países emergentes têm dívidas assustadoramente altas, o Brasil está extremamente fragilizado pela recessão de 2014-16 e pela luta política renhida e a população parou de crescer. O brasileiro de hoje é oito anos mais velho do que o de 2003 (27 contra 35 anos, na média), logo a magia (adoro a palavra, lembra-me muita picaretagem feita por aí) de aumentar salário-mínimo e distribuir dinheiro por meio da previdência deixou de ser viável. Aumentar o crédito também não é mais atrativo, porque as famílias já estão com a corda no pescoço. Mas Lula e seus acólitos não entendem isso.
Sem contar que estamos há quase três décadas sem aumento de produtividade. Paramos ali no início do Plano Real.
Existem notícias boas, ainda bem. Como é o caso do agronegócio que produz hoje duas vezes mais por hectare do que produzia no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. Também exportamos mais petróleo. Entretanto nada disso compensa, pois o governo não consegue se antecipar as necessidades estruturais mais prementes, a saber, o aumento da produtividade e uma reforma previdenciária e administrativa eficaz, sob a alegação de que não tem como reduzir a sua demanda por poupança. Daí a fabricação de déficits em escala quase industrial.
Chegará um momento no qual não será mais possível empurrar a sujeira para debaixo do tapete. Quem se dispuser a fazer o trabalho terá de esquecer o próprio futuro político ou ser um ás da negociação e do conchavo, para dividir o desgaste com os outros poderes.
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E Bolsonaro, hein? Andou miando na Folha de São Paulo. Mas isso é outra história. Amanhã, se eu estiver disposto, escrevo sobre.