Já faz uma copa do mundo

por Sérgio Trindade foi publicado em 22.abr.24

Sábado último, 20 de abril, fez quatro anos que o governo do Presidente Jair Bolsonaro nomeou reitor pro-tempore para assumir o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN).

Vamos aos fatos.

A cada quatro anos o IFRN faz eleições para reitor e diretores-gerais e a eleição de 2019 teve quatro candidatos ao posto máximo: José Ambrósio, José Arnóbio, José Ribeiro e Wyllys Tabosa.

Wyllys era então reitor e lutava para renovar o mandato. Arnóbio era o diretor-geral do campus Natal Central, o maior do IFRN. Estava no segundo mandato à frente do campus e, profundamente ligado ao Partido dos Trabalhadores, disputava com o Wyllys o comando do IFRN. Ribeiro, professor do campus Ipanguaçu, estava provisoriamente lotado (cooperação técnica) na Diretoria de Indústria (campus Natal Central) e, ligado ao deputado federal general Girão, era o candidato, digamos, preferido pelo Ministério da Educação. Ambrósio era o candidato folclórico, regra em quase todas as eleições majoritárias e proporcionais brasileiras e que o IFRN, vanguarda da política tupiniquim, importara.

Finalizada a votação, a apuração confirmava a previsão, com Arnóbio e Wyllys disputando voto a voto a preferência da comunidade acadêmica. Finalizada a contagem dos votos, o professor de educação física venceu o de biologia e, daí em diante, tratou escolher os nomes da equipe de auxiliares para gerir o IFRN por quatro anos.

Na eleição de 2011, quando venceu Wyllys na disputa pela direção do campus Natal Central, Arnóbio, candidato de oposição, viu-se “abandonado” pelos seus apoiadores e teve de montar equipe com os quadros do então diretor-geral, o professor Enílson. Oito anos depois, a história se repetiu, como farsa, com o agora reitor eleito, Arnóbio, vitorioso novamente contra Wyllys, desta vez em pleito para ocupar o trono de reitor, quase sem nomes para formar a equipe e tendo de montá-la e com parte do grupo do seu principal oponente.

Ribeiro durante a campanha insistiu equivocadamente na tese da lista tríplice, então regra para as universidades federais, apontando que o Presidente da República poderia nomear um dos três primeiros colocados. Terceiro colocado no certame, movimentou-se para garantir a implementação da lista tríplice, repito, regra para as universidades federais mas que não encontrava homizio nos institutos federais.

As coisas caminharam sem muitos sobressaltos até janeiro/fevereiro de 2020, quando começou a correr internamente, de forma mais célere, sem qualquer ingerência externa, processo no qual o professor Arnóbio estava implicado, o da cessão das instalações do campus Natal Central para a realização de uma feirinha de produtos artesanais e na qual eram negociados produtos com os dizeres Lula Livre, conforme denúncias de sites e blogs locais (https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=JkRqRark8z8&embeds_referring_euri=https%3A%2F%2Fdefato.com%2F&feature=emb_imp_woyt).

Em 17 de março as aulas no IFRN foram suspensas em virtude da pandemia da Covid, quase que paralelamente ao aumento dos informes acerca de alguma ação do governo federal para suspender a nomeação de Arnóbio e entregar a administração do IFRN a um reitor pro-tempore. No início da segunda quinzena de abril as conversas sobre o assunto aumentaram de intensidade e, em conversa com Auridan Dantas, então diretor de gestão de pessoas nomeado por Wyllys e que seria mantido por Arnóbio, apontei que a possibilidade de alguma intervenção do governo federal era quase certa, fato que se confirmou no último terço do mês de abril, sob a justificativa de investigar a participação do reitor eleito no evento Lula Livre, acima citado. Já circulavam vídeos no quais Arnóbio estivera presente ao evento.

A questão principal era saber quem seria o reitor pro-tempore, segundo os defensores da medida, ou interventor, de acordo com os que a ele se opuseram.

O nome de Ribeiro, segundo soube por alguns dos que estiveram envolvidos na trama, foi descartado sob o argumento de que ele participara, como candidato, da campanha e, portanto, deveria aguardar o desenvolvimento da situação, evitando questionamentos outros – além daqueles que normalmente haveria.

O quadro foi sendo esquadrinhado e chegou-se ao nome de Josué de Oliveira Moreira, médico veterinário e professor do campus Ipanguaçu. A portaria 405, de 17 de abril de 2020, garantiu a nomeação de Josué ao cargo de reitor pro-tempore (https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2020/04/20/mec-nomeia-reitor-do-ifrn-professor-que-nao-concorreu-a-eleicao.ghtml). Em 22 de abril, Josué lançou nota à comunidade (https://portal.ifrn.edu.br/campus/reitoria/noticias/nota-do-reitor-pro-tempore/).

Lembro que, abatido pela Covid, a primeira de uma série de três, acompanhei o desenrolar do arranjo por grupos de mensagens de aplicativo e pelas redes sociais, notadamente o Instagram. Testemunhando a gritaria com a situação, cheguei a postar que os que estavam insatisfeitos com a medida e tinham cargo de gestão não deveriam gritar, deveriam apenas entregar os cargos e, aí sim, engajar-se em luta legítima pelo retorno ao que consideravam a manutenção da normalidade democrática. Cheguei a conversar, por aplicativo de mensagem, com o professor André Gustavo, então diretor de tecnologia da informação da gestão Wyllys e que seria mantido por Arnóbio, sobre o que pensava.

A resistência interna à medida do ministro da educação Abraham Weintraub e do Presidente Bolsonaro tomou grande vulto. Os auxiliares do professor Wyllys, candidato derrotado e então reitor, entregaram os cargos. Todos os que foram contactados pelo reitor empossado recusaram a indicação e o professor Josué, sem conhecer quase nada da estrutura do IFRN e sem maiores contatos no seio da instituição, viu-se com um imenso abacaxi para descascar. Eu era – e ainda sou – integrante de vários grupos de aplicativo de mensagens (por ali sabemos muito do que acontece no mundo) e vi uma mensagem de Josué falando sobre a nomeação dele e solicitando auxílio para comandar a instituição. Um colega e amigo que também estava no grupo do app mensagem e que, pouco depois, aceitou a indicação para uma das funções, chamou-me para participar da equipe do novo reitor. Recusei, não por virtude superior, mas por estar – como ainda estou – enfastiado e sem ânimo para ocupar funções burocráticas, ainda mais no IFRN.

Acompanhei, à distância e com interesse, o que ocorria. Soube de colegas que estavam prontos para assumir pro-reitoria de ensino e pro-reitoria de extensão e que recusaram logo que viram o movimento de resistência se avolumar. A que que iria ocupar a pro-reitoria de extensão, muito próxima ao general Girão, desistiu e silenciosamente assinou notas de repúdio, mas sem fazer estardalhaço algum. O que iria gerir o ensino, caiu fora mas manteve um pé no estribo, indicando um colega para a pro-reitoria. Indicado o amigo, foi assinar nota de repúdio contra a situação pela qual trabalhara, traindo a confiança do amigo que escolhera para ocupar função inicialmente a ele reservada.

A oposição, como toda oposição que se preza, foi à luta, denunciando o que dizia ser uma decisão espúria do governo federal. Os meios utilizados foram os mais variados, mas a luta, dado o estado de isolamento social em que nos encontrávamos, em virtude da pandemia, transcorreu principalmente nas redes sociais. Memes e cartazes espalharam-se. Foi montada “uma usina de memes e cartazes”, segundo me disse uma fonte muito próxima ao movimento de resistência. A vida dos integrantes da nova gestão foi vasculhada e exposta. Familiares chegaram – conforme me disse um dos integrantes da gestão de Josué e que teve a esposa abordada – a ser assediados. Eu, convalescendo da Covid, fui apontado como “mentor do golpe” e tornei-me “ o guru das nomeações”, como se tudo o que ocorria tivesse o meu dedo. O responsável pela fake news, a que o vulgo chama de boato, foi um ás da divulgação científica. Sem cotejar as fontes, o bambambã da informação e do conhecimento, por má fé ou ignorância, duas das qualidades que a rigor o descredenciariam como cientista, soltou um meme adaptado do elaborado pela resistência.  O meme que o Ás propagou trazia minha foto, retirada do SUAP, o sistema da instituição. Na sequência, o meme começou a correr no Instagram, no Facebook e em grupos aplicativo de mensagens. Era uma mentira, mas grande parte dos virtuosos servidores do IFRN, hoje e sempre denunciadores de fake news, não tiveram vergonha alguma de disseminá-la. Que coisa esse pessoal pensando, afinal, segundo eles, eu indicava nomes que iam ganhar polpudas gratificações e eu apenas e tão-somente o desgaste, as agressões, as menções negativas. Se ore que relembro disse caio na gargalhada, pois só beócios de carteirinha é capaz de ter “tamanha engenhosidade”.

Quando o boato circulava, conversei no privado com dois colegas que estavam nos embates contra Josué e equipe, os professores André Gustavo e Anna Catharina. Ambos me pediram para escrever alguma coisa desmentindo minha participação na trama e minha resposta foi a mesma: “Não vou, quando todos em associação batem em amigo meu, juntar-me ao grupo que grita e ofende. Quando quero confrontar alguém, faço sozinho”. André insistiu e me sugeriu que a CPPD, da qual eu era presidente, lançasse nota de repúdio. Eu retruquei: “Quando assumi a presidência da CPPD, eu disse ao diretor de gestão de pessoas que ela não se meteria em embates políticos, afinal a tarefa dela é de assessoramento técnico”. Ressalto ainda que um ex-pro-reitor de ensino chegou a fazer menção a mim, com o epiteto de guru, no e-mail institucional, quando da crise de 11 de agosto. E o fulano é, junto com o Ás, criador do epiteto, vestal, tem pose de estadista ainda que se comporte como demagogo.

Os dois primeiros meses foi, disse-me um dos pro-reitores da gestão Josué, foram muito difíceis, porque “a agressividade e a audácia iniciais da resistência abalavam a equipe e alguns colegas, pela força da pressão, entregaram os cargos. Depois, a pressão foi diminuindo, principalmente quando Josué caiu a primeira vez mas logo recuperou o cargo, após o desembargador em Recife cassar a liminar”.

A resistência legítima resolveu jogar lama para todo lado. Para enfraquecer a intervenção/pro-temporalidade era necessário negar o direito às aulas aos alunos. O caminho para tal: bater aleatoriamente na gestão durante as reuniões dos colegiados superiores.  E de março a outubro, o IFRN ficou sem aulas. Presencial, online… A justificativa era a pandemia. Depois, a intervenção. Isso quando escolas privadas, conforme me disse uma professora da rede particular de ensino e casada com professor do IFRN, esperaram duas semanas para saber qual seria “o caminho do IF, afinal é uma escola de ciência e tecnologia, com cursos de informática, redes de computadores…”.

A permanência de Josué à frente dos destinos do IFRN encerrou-se definitivamente em dezembro. Antes, porém, a juíza Gisele Maria da Silva Araújo Leite, da 4ª Vara Federal, determinou, em 1º de maio (sexta-feira), a suspensão de portaria de nomeação de Josué Moreira ao cargo de reitor e a nomeação de José Arnóbio. A medida, no entanto, durou pouco, pois o Tribunal Federal de Pernambuco, sediado em Recife, retornou Josué à função. Uma vez mais a juíza Gisele Leite emitiu decisão judicial em 11 de dezembro de 2020, determinando a regularidade da posse do professor José Arnóbio. Dez dias depois, o MEC realizou a nomeação e em 24 de agosto de 2021 foi publicado decreto da Presidência da República, nomeando Arnóbio reitor do IFRN.

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