Censura, censor e humor – Parte 3
Não havia muita lógica na censura que se abateu sobre o Brasil, durante os anos de chumbo (1968-78).
A má formação cultural de grande parte dos censores gerava um sem-número de arbitrariedades, que garantiam a liberação de músicas como Apesar de Você, de Chico Buarque, composta para afirmar e reafirmar o descontentamento de parcela considerável da sociedade brasileira com a situação vivida pelo país na década de 1970. Todos, inclusive o próprio Chico Buarque, achavam que ela seria vetada, mas, surpreendentemente, não foi. Uma outra música do compositor, no entanto, foi barrada porque cintinha o verso “João ama sua filha” e se um pai ama a filha, arguiu o censor, “está cometendo incesto”.
Humor puro!
E naqueles tempos de humor involuntário, os censores entraram de sola para competir com Os Trapalhões, Chico City e outros programas humorísticos.
Após o veto à encenação da peça Um bonde chamado desejo, escrita pelo norte-americano Tennesee Williams, o deputado Ernani Sátiro, da Arena paraibana, foi procurado por Maria Fernanda para que agisse em defesa da classe artística, que estava amordaçada. Empolgada, a atriz deu um viva à democracia, sendo imediatamente repreendida pelo parlamentar:
– A senhora se contenha. Insulto eu não tolero!
Havia uma burocrata da censura que, pela eficiência e rigor, causava receio na classe artística: Solange Teixeira Hernandes, chefe da Divisão de Censura de Diversões Públicas. Antes da exibição de filmes e programas, apareciam os certificados que estabeleciam os limites propostos. Quem os assinava era ela.
Para provocá-la, o cantor e compositor Leo Jaime fez uma versão para uma música da banda The Police, na qual dizia: “E tinha tanto para dizer / Metade eu tive de esquecer / E quando eu tento escrever /Seu nome vem me interromper / (…) / Eu já não posso nem cantar / Meus dentes rangem por você / Solange, Solange”.
Mílton Nascimento teve o seu Milagre dos peixes, de 1973, censurado (oito das onze faixas passaram pela tesoura) de tal forma que o disco foi quase todo instrumental. E nem era, de acordo com o próprio autor, um trabalho engajado.
O grupo Secos & Molhados, que tinha Ney Matogrosso como vocalista, foi considerado uma afronta “à moral e aos bons costumes”. Apresentando-se com o dorso nu, muito maquiado, rebolando e, ainda, com timbre de voz feminina, aquilo era considerado agressivo. A recomendação era que o vocalista nunca fosse filmado em close na televisão e que os seus movimentos fossem registrados à distância.
Joia e Índia, discos lançados, em 1975, por Caetano Veloso e Gal Costa, tiveram suas capas censuradas. O de Caetano porque trazia uma gravura do cantor e compositor com a genitália coberta por pombas; ao final, restaram apenas as pombas, sem trocadilho. Gal aparecia na capa de seu disco de biquini curto e muito justo; os censores resolveram o “problema” com uma capa plástica cobrindo a original
A escritora Cassandra Rios, que tinha no universo erótico um dos seus filões, e seu editor recebiam recomendações bizarras. As suas obras não poderiam ser divulgadas mostrando apenas um seio. Conforme a recomendação, um seio faria alusão à amamentação; dois, à pornografia.
Enquanto toda nudez era castigada na literatura e nas capas de discos, o cinema nacional fazia a festa no terreiro.