Coronelismo e coronéis (2)
Ministro da Justiça no início do período regencial, o padre Diogo Feijó, diante da grave crise que se abateu sobre o país, solicitou, segundo Caio Prado Junior, em sua obra Evolução Política do Brasil – Colônia e Império, rigorosas medidas para debelar a anarquia, como ele chamava os movimentos revoltosos que se espalhavam Brasil afora. Para tanto, Feijó informou, em ofício enviado à Câmara, que seis mil cidadãos, quase todos proprietários e industriais, não admitiam passar pelos incômodos que passavam e nem assumir os prejuízos que vinham tendo. Como não tinham condições de reprimi as revoltas com os seus contingentes militares, o governo recorreu aos fazendeiros e lhes concedeu a patente de coronel da Guarda Nacional, para que eles reprimissem as revoltas que pipoavam por várias regiões do país.
Jeanne Berrance de Castro, em livro organizado e coordenado por Sérgio Buarque de Hollanda, diz que já no primeiro reinado estava posta a ideia de criação da Guarda Nacional, só concretizada em agosto de 1831, quatro meses após a abdicação de D. Pedro I e totalmente inspirada na sua congênere francesa, onde ela foi “criada para uma sociedade mais complexa e diferenciada”, na qual “o cidadão soldado era o burguês”, expressava os ideais revolucionários e “encarnava o princípio democrático de que a defesa da Nação é de responsabilidade de todos os cidadãos”. No Brasil, porém, a Guarda Nacional tomou “uma conotação diversa por se tratar de país escravocrata”. Nela alistaram-se todos os brasileiros com “idade variável entre 21 e 60 anos” e cidadãos filhos de famílias que dispusessem “de rendas para serem eleitores”.
A Guarda Nacional funcionou quase sempre como uma espécie de força paramilitar de elite, cabendo ao presidente de província indicar os seus ocupantes de mais alta patente, sendo o posto supremo o de coronel, atribuído a homens bem situados financeiramente. Cabia a ele “cuidar do aparelhamento do corpo paramilitar sob suas ordens, fazer o recrutamento e convocá-lo, quando necessário”. Os oficiais eram egressos de famílias ricas e os soldados, mesmo sendo de oriundos das camadas mais baixas da sociedade, deveriam “comprovar um padrão de renda mínimo”, segundo Resende, no livro O tempo do liberalismo excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930.
A Guarda Nacional foi criada, de acordo com Vilaça & Albuquerque, no livro Coronel, coronéis: apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste, para “defender a Constituição, a liberdade, a independência e a integridade do Império, manter a obediência às leis, conservar e estabelecer a ordem e a tranquilidade pública, bem como auxiliar o Exército de linha na defesa de fronteiras e costas”. A patente de coronel foi a mais cobiçada, mas outros postos (major, capitão e tenente) foram ostentados por senhores de terras, o que resultou numa “singular transposição semântica, amplamente assumida pela sociedade” em que coronéis (e majores, capitães e tenentes) passaram a designar “os mais eminentes proprietários de terra, com funções de árbitros sociais e com significativa liderança política, possuíssem eles, ou não, as respectivas patentes”.
A estrutura de poder dos fazendeiros foi incrementada, a partir de 1899, com a posse de Campos Sales na Presidência da República, quando o sistema eleitoral baseado no voto aberto, aliado à dependência econômica dos trabalhadores rurais, criou as condições para o controle quase absoluto do eleitor (voto de cabresto), modelo de voto conquistado por políticos da capital. Os votos eram postos na urna sem que o candidato, segundo Vilaça & Albuquerque, tivesse “maiores contatos com os que eram, unanimemente, seus eleitores – e que o apoiavam sem mesmo tê-lo conhecido, simplesmente por se tratar do candidato do coronel”, votos que os eleitores cediam “a deputados e senadores, às vezes em decorrência de um simples telegrama enviado ao coronel às vésperas do pleito, quando os chefes estaduais do partido percebiam, à última hora, a fragilidade dessa ou daquela candidatura de interesse”.
Nascia o coronelismo, fenômeno que manobrou a política durante a Primeira República.