Feijó, o padre revolucionário

por Sérgio Trindade foi publicado em 14.set.24

 

Volto a escrever, depois de umas semanas, nas quais estive envolvido com muita coisa, sobre história.

O tema, o padre Diogo Antônio Feijó, por quem eu nutria, quando adolescente, certa curiosidade e repulsa, por considerá-lo, porque assim os livros didáticos o apresentavam, demasiadamente conservador.

Erro crasso, afinal Feijó era um liberal radical. Aprendi isso lendo dois livros magistrais: 1) Diogo Antônio Feijó 1784-1843, de Octavio Tarquínio de Sousa, Coleção Documentos Brasileiros nº 35, edição da José Olímpio e 2) Diogo Antônio Feijó, primeiro volume da Coleção Formadores do Brasil, o qual traz alguns dos mais importantes textos do padre liberal, ministro da Justiça durante a regência Trina Permanente e, posteriormente, regente uno. O volume traz uma introdução enriquecedora de Jorge Caldeira, autor de livros valiosos sobre o período monárquico brasileiro.

Recentemente deparei-me com a biografia Assombrações de um padre regente – Diogo Antônio Feijó (1784-1843) escrita por Magda Ricci, professora da Universidade Federal do Pará. O grande mérito do trabalho de Ricci, publicado pela editora da UNICAMP, é trazer à luz o padre-regente sob múltiplos olhares.

Há dissenso sobre o nascimento do padre Feijó. Nasceu ou foi deixado na casa do padre Fernando Lopes de Camargo, em São Paulo, e batizado como “filho de pais incógnitos”. Há quem defenda, e isso está quase inteiramente configurado, ser ele filho do padre Félix Antônio Feijó e de Maria Joaquina de Carvalho.

Quando jovem, iniciou sua carreira como professor de história, geografia e francês em cidades próximas (Parnaíba, Guaratinguetá e Campinas) a São Paulo e, posteriormente, fixou-se em Itu, onde se uniu à comunidade dos Padres do Patrocínio, liderada pelo padre Jesuíno do Monte Carmelo. Ali, fortemente influenciado pelo racionalismo de Kant, lecionou e escreveu um compêndio de Filosofia, o primeiro no Brasil a abordar o pensamento kantiano, o que também o conecta à história da Filosofia no país.

Em 1821, foi eleito deputado por São Paulo nas Cortes de Lisboa, onde proferiu discurso corajoso em defesa da independência do Brasil. Com o aumento da tensão contra os brasileiros separatistas nas ruas, fugiu para a Inglaterra com o auxílio de diplomatas britânicos. Retornou ao Brasil após a proclamação da Independência, em 1822, e, como membro da Câmara Municipal de Itu, apoiou moção contra a Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador D. Pedro I com o objetivo de estabelecer um regime monárquico híbrido, constitucional e absolutista.

O ponto alto da vida pública de Feijó ocorreu na década de 1830.

Quando foi ministro da Justiça, ao lado do jovem major Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias e filho do general-regente Lima e Silva, nos tumultuosos dias que se seguiram à queda de D. Pedro I, à impossibilidade do herdeiro Pedro de Alcântara (futuro D. Pedro II) sentar no trono de Imperador e à fraqueza política das regências trinas, garantiu a ordem pública.

Feijó, padre secular de relações conflituosas com a Igreja Católica, principalmente devido à sua campanha contra o celibato, filho de padre e pai de muitos filhos não parecia ser o homem adequado para garantir a ordem, mas ele tinha olhar aguçado e profundo e foi esteio político da jovem nação. Liberal radical, sabia que fazer reformas liberais iria confrontá-lo com muita gente. E Feijó ousou, pondo a máquina do ministério que comandava, o maior e mais importante do governo, a serviço delas.

Para começar, ceifou grande parte do efetivo do Exército e criou a Guarda Nacional, milícia que seria responsável pela garantir da ordem pública e que não pesava sobre os cofres públicos. Paralelamente, pôs em marcha uma reforma constitucional para transferir poder do Rio de Janeiro para as províncias e municípios, abrindo caminho para implantação de uma monarquia constitucional e federativa.

A luta de Feijó, entretanto, era bombardeada por todos os lados. Rebeliões pipocavam e o êxito de algumas delas criou problema para aqueles que governavam. A onda liberal minguou, como expresso na proclamação do liberal moderado Bernardo Pereira de Vasconcelos: “Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas ideias práticas; o poder era tudo; fui liberal. (…) a sociedade que então corria o risco pelo poder, corre agora o risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero servi-la, quero salvá-la e por isso sou regressista”.

Sem apoio dos liberais exaltados e dos liberais moderados, Feijó ficou sozinho e amarrado aos seus princípios, a saber, manter e aprofundar as reformas liberais e garantir a ordem, naquela conjuntura inconciliáveis. Caiu sem transigir e em 1837, sem que nenhum liberal ousasse assumir a chefia do governo, dignamente passou-a ao regressista Pedro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda.

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