Lampião, governador dos sertões

por Sérgio Trindade foi publicado em 05.jun.22

Virgulino Ferreira assumiu a chefia de bando no início dos anos 1920, assumindo o posto de Sinhô Pereira.

Descendente do barão de Pajeú e inimigo das famílias Barros, Saturnino, que andava às turras com os Ferreira, e Carvalho, Sinhô Pereira foi um grande protetor de Lampião, a quem conhecia desde o tempo em que o futuro rei do cangaço era criança e no qual reconhecia as qualidades de intrépido líder.

Quando decidiu abandonar a vida de cangaceiro, o velho chefe escolheu o jovem membro da família Ferreira como seu sucessor. Em depoimento sobre a escolha, Sinhô Pereira disse: “Dos homens que deixei em armas no Pajeú, só Virgulino podia chegar à governança. Os demais eram formiga sem formigueiro. Ele nada aprendeu comigo, pois já nasceu sabendo.” Inclusive o apelido famoso começou nesse tempo, como afiança o próprio Sinhô Pereira: “Num combate à noite, na fazenda Quixaba, o nosso companheiro, Dé Araújo, falou que a boca do rifle de Virgulino, o ‘pau oco’, como ele falava, mais parecia um lampião. Alumiava o breu. Mas eu reclamei com eles, dizendo que a munição era adquirida a duras penas.”

Em pouco tempo, depois de assumir o comando do bando de cangaceiros, Virgulino Ferreira, já conhecido pelo apelido lendário e com o nome inscrito entre os grandes chefes do cangaço, com vitórias acachapantes sobre forças policiais, como a que varreu dois destacamentos com 300 soldados em armas na Serra Grande, município pernambucano de Flores, pelas rusgas que levou a intensos combates contra seu ex-sócio de cangaço, Clementino Quelé, ex-subdelegado de polícia na Baixa Verde que se tornou cangaceiro e que, por questões internas do bando, teve de abandonar o cangaço e se alistar nas forças volantes da Paraíba, tornando-se no genioso e impiedoso comandante da coluna Pente Fino, falange de carniceiros que perseguiu encarnecidamente os cangaceiros e aterrorizou a vida dos desprotegidos e desarmados sertanejos da Paraíba e mesmo de Pernambuco, bem como pelo saque a Sousa, município paraibano, ataque efetuado por aproximadamente 30 cangaceiros e que contou com o apoio dos coronéis Zé Pereira, chefe político de Princesa e parente de Sinhô Pereira, e Marcolino Diniz em consórcio com o coronel Chico Pereira, desejoso de desforra pelo assassinato de seu pai, o coronel João Pereira, vítima das disputas políticas locais entre os bacuraus e urucubacas.

É certo que Lampião não participou diretamente do ataque a Sousa, pois se recuperava, na casa do coronel Marcolino Diniz, de um ferimento no pé. A ação foi de uma bestialidade tal (a cidade foi arrasada, o juiz serviu de montaria para um dos cangaceiros) que o coronel Zé Pereira aconselhou Lampião a deixar a região e passou de protetor a inimigo do chefe cangaceiro.

Em tempo: é o mesmo Zé Pereira que, em 1930, decretou a independência da região de Princesa e adjacências, resultando numa guerra contra o governo estadual (Revolta de Princesa). O desfecho é conhecido: morreram quase 700 pessoas e o conflito só terminou após o assassinado do ex-governador da Paraíba e ex-candidato a vice-presidente da república, João Pessoa, baleado por João Dantas, aliado da família Pereira, em Recife.

Os eventos acima descritos e outros tantos sobre as andanças e os feitos de Lampião fizeram sua fama correr não só o sertão. Os domínios do já então rei do cangaço se expandiam tornando-o tão orgulhoso e vaidoso que, em fins de 1926, o cangaceiro enviou carta ao governador de Pernambuco, Júlio Mello, sugerindo a divisão do estado: “Senhor governador de Pernambuco, suas saudações com os seus. Faço-lhe esta devido a uma proposta que desejo fazer ao senhor para evitar guerra no sertão e acabar de vez com as brigas. Se o senhor estiver de acordo, devemos dividir os nossos territórios. Eu que sou capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão, fico governando esta zona de cá por inteiro, até as pontas dos trilhos em Rio Branco. E o senhor por seu lado, governa do Rio Branco até a pancada do mar no Recife. Isso mesmo. Fica cada um no que é seu. Pois então é o que convém. Assim ficamos os dois em paz, nem o senhor manda seus macacos me emboscar, nem eu com os meninos atravessamos a extrema, cada um governando o que é seu sem haver questão. Faço esta por amor à Paz que eu tenho e para que não se diga que sou bandido, que não mereço. Aguardo sua resposta e confio sempre. Capitão Virgulino Ferreira Lampião, Governador do Sertão.” (https://www.youtube.com/watch?v=_p7tVzwucQc).

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