O golpe de 1964 foi movimento civil – 4

por Sérgio Trindade foi publicado em 24.mar.24

O título deste artigo poderia ser O golpe de 1964 e a proclamação da República. De República que nunca foi, pois em novembro de 1889, por acidente, ocorreu a República.

Antes disso, é bom frisar, os clubes republicanos, àquele tempo, estavam atolados numa frustração desmedida por não ecoar na opinião pública a pregação para a mudança do regime, de Monarquia para República.

As eleições se sucediam para o Parlamento e o desempenho da ideia republicana seguia inexpressiva, com poucos eleitos; a representação republicana pequena, sem peso no Legislativo, demonstrava que o debate da República não figurava na pauta política.

No Exército a situação era bem diferente, ainda que a instituição não fosse exatamente republicana. Alguns oficiais, porém, discípulos de Benjamim Constant, formador, pela cátedra que exercia na Escola Militar, de muitos militares, formavam pequenos núcleos republicanos, bem situados, principalmente na Corte, e ativos mais pelo ressentimento do Exército contra o tratamento que a Monarquia lhes dispensava do que pelos ideais que carregavam. A República seria a libertação do Exército da tutela dos Gabinetes, então vistos como inimigos da corporação, à qual perseguiam, discriminavam e humilhavam.

Os militares julgavam-se dignos do respeito nacional pela atuação na defesa da unidade nacional e na sustentação da ordem. O desempenho na Guerra do Paraguai elevou essa percepção ao máximo e ativou ainda mais o ressentimento e a revolta contra o regime. O envolvimento do Exército na luta Abolicionista tornou o sentimento ainda mais forte. A chamada Questão Militar não resolvida, fermentou ainda mais a elite dos quartéis.

Questões menores, mas não desprezíveis, como as queixas de que às Forças Armadas não eram dados (ou eram pouco concedidos) títulos de nobreza – que nutriam a vaidade e o prestígio na Monarquia –, a falta de recursos para aparelhar instalações militares e perseguições aos mais exaltados, como transferências, ausência de postos e punições inflamavam a tropa.

Entre os marginalizados estava Deodoro da Fonseca, herói de guerra, militar totalmente dedicado às suas tarefas profissionais, sem maiores ligações na política, avesso por temperamento a composições e gozando de grande consideração, respeito e liderança, militar para quem o Exército era tudo, razão pela qual estava sempre alerta na defesa de suas prerrogativas e na exaltação dos deveres da Pátria.

Incensado pelos mais exaltados dentro do Exército, Deodoro revoltava-se com as notícias de desprestígio e manobras para diminuir a instituição e foi justamente aí, nessa brecha, que os oficiais republicanos atuaram, sabendo da rivalidade dele com o conselheiro Silveira Martins, para atrair o velho e respeitado oficial para liderar um golpe militar.

Oficiais disfarçados, vestidos à paisana, espalhavam boatos da prisão de Deodoro e de Benjamim Constant, deportação de regimentos, verdadeira guerra psicológica para criar comoção e acirrar o espírito de corpo, base inicial para o golpe. A tropa, inflamada, marchou para lavar a honra do Exército, mas a República não veio de imediato, afinal ninguém achava, exceto os líderes, ser esse o objetivo. Deodoro, ao tomar o Quartel-General, o Ministério reunido, entrou na sala e dirigiu-se ao Visconde de Maracaju, Ministro da Guerra, e disse: “Adeus, primo Rufino”. Mandou os ministros para casa e deixou o Presidente do Conselho, o Visconde de Ouro Preto, a quem dirigiu muitas críticas, preso. Floriano Peixoto, a quem cabia proteger o governo, na iminência de um grande confronto armado, com uma batalha na qual teria tudo para ganhar, recusou o enfrentamento em nome da unidade do Exército.

Destituído o Gabinete por ato de força, Deodoro pretendia falar com o Imperador D. Pedro II, de quem era amigo, para que fosse montado novo Gabinete. Ao descer, encontrou os oficiais republicanos reunidos e estes cobraram do chefe a proclamação da República. Deodoro vacilou, pois nunca lhe passou pela cabeça tal intento, ele que escrevera, pouco mais de um ano antes, ao sobrinho: “Não te metas em questões republicanas, porquanto República no Brasil é desgraça completa…” O major Sólon Ribeiro lhe disse: “Enquanto a República não for proclamada, não embaínho minha espada”. Entre derramar o sangue dos seus companheiros e depor o Imperador, Deodoro optou pela segunda alternativa.

À sugestão de convocarem-se Quintino Bocaiúva e outros próceres republicanos para as primeiras deliberações, Deodoro gritou: “Paisano não!” Aristides Lobo, não vendo povo, disse que este assistiu “bestializado” o desfile militar, e Saldanha Marinho, pouco tempo depois, afirmou que essa “não era a República dos seus sonhos”. Deodoro e Floriano desentenderam-se e coube a este, com mão-de-ferro, segurar a República que não nascera República, e até hoje guarda os males do berço, como a nossa história, permeada de intervenções militares e golpes de Estado, demonstra.

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