O sertão de Guimarães Rosa

por Sérgio Trindade foi publicado em 08.maio.25

Há muitos sertões. Na África, onde os portugueses o criaram, e no Brasil, para onde o trouxeram. E todos são fantásticos.

O das Gerais descobri na adolescência, quando assisti na Rede Globo à série Grande sertão: veredas, baseada na obra de mesmo nome de João Guimarães Rosa.

Tony Ramos no papel de Riobaldo e Bruna Lombardi no de Diadorim.

Ali conheci Guimarães, ali fui impelido a ler os seus textos, começando por Grande sertão: veredas e, depois, enveredando (perdoem-me o trocadilho) por Sagarana, Manuelzão e Miguilim, Noites do sertão, entre outras. Ali tomei consciência de que o sertão não é apenas território nordestino.

Escrevendo um trabalho sobre o sertão do Rio Grande do Norte ao final do século XIX, voltei a ler Guimarães Rosa e às páginas de Grande sertão: veredas e Noites do sertão.

Antes de prosseguir, registro uma vez mais: Guimarães Rosa é um dos maiores prosadores da língua portuguesa. Ele, Machado de Assis e Euclides da Cunha são os nossos três maiores escritores.

Voltando.

O sertão, para Guimarães Rosa, não é apenas um pedaço de terra árida ou uma simples geografia, mas um vasto território de emoções, de desamparo, de luta contra as intempéries da vida e da natureza. Não se restringe à paisagem seca e inóspita que o imaginário popular conheceu, mas se expande como um universo simbólico, um reflexo das angústias humanas, um pedaço da alma do Brasil. Uma civilização.

Em Grande sertão: veredas, sua obra máxima, o sertão é, ao mesmo tempo, cenário e personagem. A narrativa de Riobaldo, o jagunço que percorre esse mundo, é impregnada pela luta entre o bem e o mal, entre o real e o metafísico. O sertão é um espaço onde a fatalidade se encontra com o acaso e onde as perguntas fundamentais sobre a vida, a morte e o destino surgem de forma intensa e única.

A visão de Guimarães Rosa sobre o sertão é complexa e multifacetada, distanciando-se do regionalismo simplificado de sua época e criando uma paisagem literária em que a seca e o deserto são mais do que dificuldades climáticas. A seca reflete, no imaginário do escritor mineiro, o vazio existencial que todos nós carregamos.

O sertão é um lugar de extremos: calor, solidão, profundidade emocional, grandeza e mistério. O sertanejo não é só o homem do campo, mas uma metáfora para o ser humano em sua essência, com seus dilemas existenciais, com seus amores e traumas, com sua luta por sentido. E aí, no universo de Guimarães Rosa, a terra não é implacável apenas fisicamente, pois ela é também uma arena onde o ser humano se defronta com os dilemas mais universais. É palco de uma vida que se constrói na precariedade, onde o ato de existir exige coragem e lucidez. Dessa forma, o jagunço não é um mero bandido, mas um ser enredado por forças maiores, uma construção metafórica de todos os homens que buscam a verdade em um mundo que constantemente lhe escapa, que lhe escorre entre os dedos das mãos.

Guimarães Rosa vai além da simples imagem do sertão como um lugar de resistência à adversidade. É também um espaço de ambiguidade, é o espaço onde os valores morais se dissolvem, onde os conceitos de certo e errado são relativos, onde a morte não é apenas o fim, mas parte de um ciclo eterno de sofrimento e renovação.

A grande sacada de Guimarães Rosa é tratar o sertão como algo que extrapola os estereótipos e a nostalgia. Ele mergulha na alma humana e neste processo o sertão se torna o espelho de imensas inquietações e a verdade encontra homizio nas veredas mais profundas da nossa própria consciência.

Reinventando e ou dando outra dimensão à língua portuguesa, Guimarães Rosa (re)funda o sertão, dando-lhe a dimensão de uma epopeia, entrelaçando a seca da terra à seca da alma e criando um retrato da condição humana universal. Entendê-lo exige do leitor uma viagem de descobertas que nunca chega ao fim, mas que transforma a todos que o leem.

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