Sequestro, rapto ou captura?
Assisti ao filme Ainda estou aqui e saí satisfeito com a qualidade do trabalho ali desenvolvido.
Antes de qualquer coisa, discordo daqueles que dizem ser a película uma exaltação dos movimentos subversivos. O filme descreve e narra a história de uma mulher que luta para descobrir o paradeiro do marido preso e desaparecido quando estava sob custódia do Estado.
Pesquisei um bocado sobre o ex-deputado federal petebista Rubens Paiva, sobre quem já havia lido ainda na adolescência (depois, obtive muitas informações sobre ele em livros que tratavam do período, mas nunca aprofundara muito até assistir ao filme), quando me deparei com Feliz Ano Velho, livro de seu filho Marcelo Rubens Paiva, por sinal autor do livro que serviu de base para a construção do filme acima citado.
Deputado federal de linha nacionalista, Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964, por meio do Ato Institucional nº 1 (AI-1).
O ex-deputado esteve, por linhas tortas, ligado aos eventos que resultaram no sequestro do embaixador norte-americano. Segundo material coletado na internet, Rubens Paiva deu cobertura para a fuga de Helena Simões Bocayuva Cunha, umas das responsáveis pelo aluguel do imóvel na rua Barão de Petrópolis, onde o diplomata ianque foi escondido, para o Chile. Após finalizado o sequestro, Helena “foi visitada em Santiago do Chile pelo deputado Rubens Paiva, a quem pediu ajuda para a fuga de Carlos Alberto Muniz, o ‘Adriano’, e para ajudá-la na correspondência com ele. Como ‘Adriano’ era considerado pela polícia como sendo um dos contatos com Carlos Lamarca, então o homem mais procurado do país, qualquer tentativa de correspondência com ele era vigiada. Assim, no dia 19 de janeiro de 1971, no Aeroporto do Galeão, a polícia prendeu Cecília Viveiros de Castro trazendo do Chile cartas de Helena – a ‘Mariana’ do MR8 – para ‘Adriano’, que deveriam passar pelas mãos de Rubens Paiva. A essa altura, o deputado Rubens Paiva era suspeito pela polícia de ser o contato de ‘Adriano’, através de quem eles poderiam chegar a Lamarca. Prenderam Rubens Paiva no outro dia e o torturam até a morte” (https://www.historiadealagoas.com.br/vinicius-maia-nobre-e-o-sequestro-do-embaixador-americano.html); (https://memorialdaresistenciasp.org.br/pessoas/rubens-beyrodt-paiva/).
Sequestro não, afinal os próprios líderes da ação, como não poderia deixar de ser nas hostes da esquerda brasileira dos anos 1960-70, debateram à exaustão sobre como chamar o ato. Seria rapto ou captura e, ao final, a escolha recaiu sobre captura, porquanto o termo rapto, pelo português castiço, estar associado a fins libidinosos (https://www.youtube.com/watch?v=tVqAzXxgiKM).
A captura (vamos seguir a linha do pessoal da ação) do embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick representou, provavelmente, um ponto de inflexão nos movimentos de resistência ao regime autoritário de 1964 – que também teve o seu momento de inflexão quando da decretação do AI-5, o propalado golpe dentro do golpe – e também deu início ao fim desses mesmos movimentos, pois dali em diante a repressão tornou-se mais feroz e destroçou, utilizando de todos os meios, incluindo a tortura, os grupos guerrilheiros do país.
Menos de dois meses após o fim do caso Charles Elbrick, o ás da guerrilha urbana Carlos Marighela foi tocaiado na Alameda Casa Branca, em São Paulo, por um comando dirigido pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury e que contava com quatro dezenas de agentes. Dois anos depois, mais precisamente no dia 17 de setembro de 1971, Carlos Lamarca, que desertara do Exército em 1969, foi morto no interior da Bahia. O mesmo Sérgio Fleury, responsável pelas tropas que emboscaram Marighela em 1969, participou da perseguição e do cerco a Lamarca, Entretanto, o comando da ação coube ao major do Exército Nilton Cerqueira.
A morte dos dois Carlos, Marighela e Lamarca, foi um duro golpe no enfrentamento às tropas da repressão do regime ditatorial. O idealismo nascido e nutrido nos grupos materialistas do marxismo caboclo engasgava e mostrava suas limitações. O caminho para derrubar a ditadura não era o da violência, mas o do embate político das ideias, o da luta nas ruas e no parlamento.
Três anos depois da morte de Carlos Lamarca a ditadura foi surrada nas urnas e a derrota pavimentou o caminho, já indicado por Ernesto Geisel e pelo seu lugar-tenente o bruxo Golbery do Couto e Silva, para a redemocratização do Brasil.