O dever moral de lembrar

por Sérgio Trindade foi publicado em 28.out.22

Ande pelos corredores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e pergunte aos seus funcionários, alunos e mesmo a gestores quem foi Luiz Carlos Abbott Galvão e ouça, da maioria, o silêncio como resposta.

Atribui-se a Leon Tolstoi, um dos maiorais da literatura russa, a frase “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.”

Frases podem ser apenas frases, podem ter mais efeito do que expressarem a realidade, mas é fora de dúvidas que alguns dos mais grandiosos artistas escreveram, pintaram e cantaram a região de onde vieram, imprimindo o universal a partir da aldeia na qual nasceram e viveram por um tempo, curto ou longo.

Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa escreveram sobre Minas Gerais, o primeiro com tintas fortes sobre a sua Itabira; Machado de Assis foi fino intérprete do Rio de Janeiro de sua época; Jorge Amado retratou a sua Bahia como poucos; João Cabral de Melo Neto diz muito sobre Pernambuco, como também o faz Rachel de Queiroz sobre o seu Ceará, para ficar só nos brasileiros, sem lembrar do próprio Tolstoi, Flaubert, Victor Hugo, etc.

Ontem (27/10), tive a honra de receber, uma vez mais, para terceira entrevista no podcast “História e Memória”, projeto de extensão que desenvolvo com o colega e amigo Charles Freitas, Belchior Rocha e Francisco Mariz, ambos professores aposentados do IFRN, onde exerceram, com dignidade, inteligência e competência, tão ausentes nos dias que seguem, as mais diversas funções – em sala de aula e fora dela, como gestores.

Na ocasião, o professor Mariz me presenteou com um livro de sua autoria, feito em parceria com o também professor aposentado da instituição, Severino do Ramo de Brito.

Não perdi tempo e comecei a ler, ontem mesmo; quase entrei pela madrugada e finalizei-o há pouco.

Do ensino industrial ao técnico – um ciclo de empreendedorismo no IFRN é um passeio alentador pela história da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN), carinhosamente chamada de Escola por quem lá estudou, por que parecia prescindir de qualquer acompanhamento. O corte cronológico, 1961 e 1974, destaca um momento crucial da história da instituição, justamente aquele em que o ensino industrial é tomado pelo técnico emoldurado, como registra o professor Belchior Rocha, ele mesmo um dos grandes nomes da instituição e prefaciador da obra, por “farto registro fotográfico e documental, provocando o leitor a viajar no tempo (…), fazendo-o compreender a importância de pessoas como Luiz Carlos [Abbott Galvão], que doaram, gratuitamente, anos importantes de suas vidas para que a instituição, em apenas treze anos, recuperasse o tempo perdido e se projetasse, já em meados dos anos 70, com protagonismo no ensino técnico profissionalizante, em nível nacional.”

Nas páginas abundam algumas das mais destacadas personalidades da história do Rio Grande do Norte, todos ocupando postos no Conselho de Representantes, instância colegiada responsável pela condução da Escola: Ascendino Henrique de Almeida Junior (fundador da Academia Norte-riograndese de Odontologia e membro da Academia de Letras do Rio Grande do Norte), Cyro Cavalcanti (empresário do setor automotivo), Dalton Melo de Andrade (professor da UFRN, que exerceu a função de Secretário Estadual de Educação), Daniel Hollanda (professor da UFRN e fundador do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN), Dirceu Hollanda (professor da UFRN e fundador da Escola de Engenharia da UFRN), Edgar Salustino (empresário do ramo da mineração), Evaldo de Lira Maia (empresário pioneiro do turismo no estado), João Motta (empresário e líder industrial no estado), Osório Dantas (industrial do ramo têxtil), Vauban Faria (engenheiro, ex-diretor do SENAI e depois prefeito de Natal), entre outros.

Acima de todos eles, liderando o colegiado, uma personalidade quase esquecida pela instituição que tanto deve a ele – Luiz Carlos Abbott Galvão, empresário e destacada liderança industrial do estado, com forte prestígio junto aos políticos do estado e até mesmo junto a políticos de expressão nacional.

Como lembram os autores, Luiz Carlos “dedicou muito empenho e trabalho não remunerado, durante treze anos de sua vida” ao desafio de implementar “processo administrativo voltado à expansão institucional”, indicando claramente “um divisor de águas na vida da Escola”, dada a liderança inconteste que exercia, trazendo uma nova sistemática de gerenciamento, similar à de “uma empresa, com metas a cumprir.”

Convido à leitura do livro a todos que querem conhecer muito sobre um pequeno período da história do hoje IFRN.

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