O “navegador” D. Henrique
Não era incomum os livros didáticos de história fazerem menção ao infante D. Henrique – filho do rei D. João I, fundador da dinastia de Avis, e de Felipa de Lencastre, princesa inglesa, nascido no Porto em 1394 e falecido em 1460 – como um dos baluartes do período das grandes navegações portuguesas, bem como à mítica Escola de Sagres, fundada no século XV, como uma espécie de centro de estudos náuticos.
Muito provavelmente a Escola de Sagres não existiu e D. Henrique não foi exatamente um expert em navegação; nunca teve experiência em expedição marítima oceânica; a sua experiência limitou-se a duas curtas travessias do mar Mediterrâneo, entre Portugal e África. Numa delas, participou, em 1415, do ataque à Ceuta, cidade muçulmana no norte do continente africano.
Após conquista de Ceuta pelos portugueses, os árabes desviaram a rota do ouro sudanês para o interior do Marrocos, obrigando a então potência marítima europeia a continuar sua expansão náutica em direção ao sul da África, processo lento mas sistemático, com o estabelecimento de várias feitorias, as quais lhe permitiu adquirir ouro, escravos e especiarias; o horizonte lusitano manteve-se restrito ao continente africano, porquanto, como diz o historiador português José Hermano Saraiva, na sua História concisa de Portugal: “a expansão correspondia aos interesses de todas as classes sociais, que, no conjunto, constituíam a contraditória sociedade portuguesa. Para o povo, a expansão foi sobretudo uma forma de emigração e representava a possibilidade de uma vida melhor e a libertação de um sistema de opressões e libertações que, em relação aos ‘pequenos’, foi sempre pesado e do qual eles também procuraram se libertar buscando novas terras (a emigração para o sul, no século XII, é a primeira expressão nacional do fenômeno).”
Dali em diante, agraciado pelo pai com o cargo de governador da urbe conquistada, D. Henrique começou a coordenar as navegações portuguesas como grão-mestre da Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos Templários, duas das inúmeras honrarias amealhadas por ele, as quais não impediram que morresse falido.
Henrique era apontado como um incentivador e um mecenas da aventura marítima lusitana, por ter sido capaz de reunir em torno de si notáveis matemáticos, astrônomos, geógrafos, “línguas”, etc, fato desmentido pelo historiador Malyn Newitt, em sua Portugal na história da Europa e do mundo. Para ele, o infante “não era versado em geografia nem em matemática, não tinha qualquer conhecimento de náutico, e a suposta existência de um grupo de cientistas ao redor dele nunca se comprovou”, sendo o mérito da expansão portuguesa fruto do trabalho de seu irmão Pedro, regente do trono e artífice e concretizador do sonho marítimo luso.
Quando D. Henrique morreu, em 1460, os portugueses já haviam ultrapassado, em 1434, o cabo Bojador, limite que se erguia como uma barreira física e, mais ainda, psicológica aos navegadores europeus, abrindo caminho para que avançassem e conhecessem relativamente bem 3,5 mil quilômetros da costa africana, do território do atual Marrocos ao de Serra Leoa. De um modo geral (abordaremos em outro texto), vale ressaltar, a maioria das lendas medievais sobre a presença de monstros marinhos e águas ferventes diziam respeito ao mar dali em diante.