Fernão de Magalhães e a primeira viagem de cincunavegação
No último dia 20 de setembro fez 500 anos do início da viagem de Fernão de Magalhães, a primeira que deu uma volta completa na Terra, uma aventura que tivera início com o genovês Cristóvão Colombo, quase meio século antes.
Durante anos, desde que chegou a Portugal, em 1476, Cristóvão Colombo fez lobby junto à Coroa Portuguesa para atingir a ilha de Cipango (Japão) navegando para oeste. O seu argumento era de que a distância a percorrer não era superior a dez mil milhas (na realidade, ela é de quase dez mil milhas). Colombo era tratado como excêntrico pela Coroa Portuguesa, que nunca tentara atingir a Ásia pela rota por ele proposta.
Decepcionado com o pouco caso e com a recusa demonstrados por Portugal, o navegador genovês ofereceu seus préstimos aos reis espanhóis Fernando e Isabel que, no devido tempo, acataram os seus planos.
Na volta de sua primeira viagem, após ter chegado a terras a oeste, Colombo foi empurrado por uma tempestade em direção a Portugal e logo se espalhou a notícia de que ele chegara às Índias.
Poucos anos depois foi constatado que o genovês não estivera na Ásia e as terras nas quais aportara eram, na realidade, parte de um novo continente.
O que Cristóvão Colombo tentara na última década do século foi alcançado por u navegador português ao final da segunda década do século seguinte, Fernão de Magalhães, também, como Colombo, navegando sob bandeira espanhola.
Nascido em Trás-os-Montes, em 1480, o português Fernão de Magalhães fez história, à época dos Descobrimentos, singrando os mares a serviço da Espanha.
O navegador português começou, em 1517, a escalada para um dos maiores périplos, depois de um longo período à serviço da Coroa portuguesa na Ásia e na África, ao final do qual ofereceu seus préstimos ao rei espanhol Carlos V.
Educado na Corte Portuguesa, Fernão de Magalhães partiu, em 1505, para o Oriente na poderosa armada de D. Francisco de Almeida, Vice-Rei da Índia entre 1505 e 1509, com a missão de afastar as frotas turcas dos mares da região.
Depois que o seu chefe e protetor, D. Francisco, partiu, o aventureiro navegador percorreu vastos territórios da Índia e da África oriental, conhecendo a famosa ilhas das especiarias, as Molucas.
Acompanhou D. Diogo Lopes na malograda expedição a Malaca, em 1509, e participou, ainda, da tomada de Malaca por D. Afonso Albuquerque, em 1511.
Permaneceu no Oriente até 1513, onde estreitou amizade com Francisco Serrão, feitor nas Molucas, junto ao qual refinou os seus conhecimentos acerca dessas ilhas, das suas famosas especiarias e das principais rotas marítimas da região.
Ao retornar a Portugal, foi imediatamente enviado para servir no Marrocos, onde mparticipou de várias expedições, numa das quais, em Azamor, em 1514, foi ferido no joelho, o que o obrigou a voltar a Lisboa.
A fama que o precedeu no retorno a Lisboa não era das melhores, razão pela qual, possivelmente, caiu em desgraça na Corte de D. Manuel.
Com a imagem desgastada junto ao monarca português, ficou distante o sonho de obter financiamento para um projeto que embalava, o de atingir as Molucas navegando a oeste, solução que considerava mais rentável e segura que a rota oriental.
A rota oriental, via Índia-Malaca, era repleta de muçulmanos e piratas hostis aos portugueses e seus interesses.
Fernão de Magalhães ganhou vasta experiência náutica e militar, atuando nos continentes africano e asiático. E foi baseado nisso que dirigiu a Sevilha para vender o seu projeto ao rei da Espanha, Carlos V.
Ao rei espanhol e imperador do Sacro Império propôs atingir as Molucas navegando para oeste e, mais, provar que aquelas ilhas não estavam dentro da área de jurisdição portuguesa defendida pelo Tratado de Tordesilhas, assinado por portugueses e espanhóis em 1494, mas em mares espanhóis.
Como a viagem ocorreria quase que inteiramente em mares espanhóis, Carlos V, apesar de se mostrar reticente, aceitou o projeto, confiando a Magalhães uma frota de cinco navios (Trinidad, San Antonio, Concepción, Victoria e Santiago), 234 homens e 480 toneladas em navegação.
Quando de sua partida, Magalhães, diferentemente de Colombo, conhecia quase exatamente, com erro de apenas alguns graus, a distância em longitude que percorreria da Espanha às Molucas.
A armada saiu de Sanlúcar de Barrameda a 20 de setembro de 1519, e a viagem transcorreu sem grandes sobressaltos, o que permitiu a armada rapidamente atingir a América do Sul, em novembro, depois de uma escala nas Canárias, onde soube que o rei D. Manuel enviara uma flotilha para o interceptar.
Para fugir ao cerco português, Magalhães buscou “refúgio na área das calmarias da Guiné, evitada pelos capitães portugueses”, o que a arrastou para sueste. Depois de um tempo, aproaram, segundo Pigafetta, no Cabo de Santo Agostinho. Para Lenine Pinto, no Cabo de São Roque, refugando a escala e passando “ao largo de São Roque” e descendo em direção ao sul.
Em fevereiro de 1520 a expedição pelo Rio da Prata, chegando a S. Júlian, na Patagônia, em março, onde começaram os maiores problemas.
Foram seis meses retidos na região, para passar o inverno, com revoltas e motins se sucedendo. Dali saíram para procurar uma passagem que ligasse o Atlântico ao Pacífico, finalmente encontrada e que receberia o nome de Estreito de Magalhães, em homenagem ao capitão português. Perderam uma nau na travessia de 38 dias, que se revelou muito difícil do que se supunha. Tempestades e motins tornaram o avanço lento e penoso, mas finalmente o oceano Pacífico se descortinou à frente deles.
Foram quatro longos meses para atravessar o Pacífico. Mortes por escorbuto, fome e novos e insistentes motins desfalcaram a já depauperada tripulação, mas não impediram a expedição de chegar às ilhas Marianas, quase dois anos após zarpar da Espanha.
Nas Filipinas os espanhóis foram emboscados, em Mactan, onde o lendário Fernão de Magalhães veio a morrer, sem honra e sem glória, em 27 de abril de 1521, após se envolver em disputas entre tribos rivais.
A armada que partiu com cinco navios e 234 homens regressou à Espanha com apenas um (Victoria) e 18 homens.
A aventura de Fernão de Magalhães foi cantada por um nobre italiano de Vicenza chamado Antonio Pigafetta, que pagou para viajar com na expedição, num relato publicado em 1525, em Paris, como título Le Voyage et Navigation, faict par les Espaignolz es Isles de Mollucques.