Eleições e divagações

por Sérgio Trindade foi publicado em 10.out.22

Evito discutir política com intolerantes e mesmo com apaixonados. Só discuto com quem manifesta comportamento racional. Quem começa chamando o adversário, seja ele qual for, de imbecil e por aí vai, eu silencio. Por isso, só me apetece discutir o tema com os tolerantes. Os de verdade. E não aqueles que dizem tudo tolerar, exceto tolerar as opiniões e opções dos outros.

Ando escrevendo sobre política neste e em outros espaços e venho participando, como convidado, de programas em veículos de comunicação locais. E em todos venho batendo nas seguintes teclas.

A postura da esquerda e particularmente a do Partido dos Trabalhadores, nos últimos anos, especialmente a de seus militantes mais aguerridos, traria conta salgada. Pois bem, o dia chegou, faz uns aninhos, e a militância petista, acostumada a atacar a todos que se pusessem no seu caminho, chamando-os de fascistas e partindo até para agressão física, encontrou uma oposição capaz de utilizar das mesmas armas. Escrevi, por sinal sobre isso semana passada, inclusive dizendo que a rivalidade entre PT e PSDB, apontada como civilizada por membros do partido de Lula e por ele mesmo, chegou a ser incivilizada em vários momentos, entre os quais aquele em que o então governador de São Paulo, Mário Covas, líder político com inegáveis credenciais democráticas, foi atacado a pedradas. À época, não custa lembrar, Covas estava com o câncer que veio a lhe abater durante o seu segundo mandato à frente do executivo paulista (http://historianosdetalhes.com.br/politica/um-dia-a-conta-chegaria/).

As pautas identitárias, um dos eixos das diretrizes políticas da esquerda, têm engolido o debate educado, porquanto a militância da causa, dotada de furor cruzadista, atropelar princípios cruciais para o sadio e saudável debate democrático. Qualquer um que ouse contestar as pautas da forma como elas se apresentam, será varrido de cena.

A questão nordestinos versus sudestinos/sulistas, trazida à tona após a vitória de Lula no primeiro turno, com maioria esmagadora no nordeste e derrota em alguns estados do sudeste e do sul, não é nova. Tancredo de Almeida Neves, de insofismável cariz democrático e moderado, abordou o mesmo assunto, após as eleições de 1982, quando os partidos oposicionistas venceram, nas urnas, a agremiação partidária governista (PDS), nos estados mais ricos e nos maiores municípios do país e perderam nos estados mais pobres, especialmente no norte e no nordeste (abaixo quadro com os governadores e vice-governadores eleitos, em 1982).

Estado Governador Eleito Partido Vice-governador
 Acre Nabor Júnior PMDB Iolanda Fleming
 Alagoas Divaldo Suruagy PDS José Tavares
 Amazonas Gilberto Mestrinho PMDB Manoel Ribeiro
 Bahia João Durval Carneiro PDS Edvaldo Flores
 Ceará Gonzaga Mota PDS Adauto Bezerra
 Espírito Santo Gerson Camata PMDB José Moraes
 Goiás Iris Rezende PMDB Onofre Quinan
 Maranhão Luís Rocha PDS João Rodolfo
 Mato Grosso Júlio Campos PDS Wilmar Peres
 Mato Grosso do Sul Wilson Martins PMDB Ramez Tebet
 Minas Gerais Tancredo Neves PMDB Hélio Garcia
 Pará Jader Barbalho PMDB Laércio Franco
 Paraíba Wilson Braga PDS Silva Júnior
 Paraná José Richa PMDB Ferraz de Campos
 Pernambuco Roberto Magalhães PDS Gustavo Krause
 Piauí Hugo Napoleão PDS Bona Medeiros
 Rio de Janeiro Leonel Brizola PDT Darcy Ribeiro
Rio Grande do Norte José Agripino Maia PDS Radir Pereira de Araújo
 Rio Grande do Sul Jair Soares PDS Cláudio Strassburger
 Santa Catarina Esperidião Amin PDS Victor Fontana
 São Paulo Franco Montoro PMDB Orestes Quércia
 Sergipe João Alves Filho PDS Antônio Carlos Valadares

A fala de Tancredo foi movida, ressalte-se, pela vitória da oposição nos grandes centros, mas também pela angustiante apuração dos votos em Minas Gerais, estado pelo qual ele disputava o governo do estado. Em dado momento, Tancredo afirmou que a sua vitória estava ameaçada pelos grotões e pelos burgos podres do PDS, sucessor da ARENA. Era uma referência às muitas cidades pequenas, como menos de 15 mil eleitores, dominadas por caciques políticos que apoiavam os candidatos governistas. Por pouco Tancredo não perdeu a eleição para o candidato pedessista Elizeu Rezende. A vitória do peemedebista veio em virtude da maciça votação obtida em Belo Horizonte, capital do estado.

O assistencialismo e o vínculo com lideranças tradicionais garantiram a Lula a vitória no primeiro turno no nordeste. Em 2018, o PT foi um partido forte nos grotões, como registraram Ricardo Noblat (“O PT reduziu-se a um partido do Nordeste. Pior: poderá sair desta eleição apenas como um partido dos grotões do Nordeste”) (https://veja.abril.com.br/coluna/noblat/pt-um-partido-dos-grotoes-do-nordeste/) e José Nêumanne (“Mesmo que seja vitoriosa, estratégia de que Lula lançou mão (…), confinou o PT no Brasil profundo e sumiu no país que trabalha e produz”) (https://politica.estadao.com.br/blogs/neumanne/o-partido-dos-grotoes/).

Investir nesta via tem sido estratégia de campanha de Bolsonaro e a campanha e os eleitores de Lula morderam a isca, aprofundando a cizânia. Quanto mais força a separação, jogando uma região contra a outra, mais Bolsonaro pretende avançar sobre o eleitorado do sul e sudeste.

A estratégia, as ideias e a forma de fazer política de Lula e do PT enclausurou-os nos rincões, donde parecem ter dificuldades de sair, é o que se extrai do primeiro turno presidencial deste ano. A coisa não ficou pior e deu sobrevida a Lula e ao PT, neste 2022, com imensa chance de ganhar no segundo turno, porque o antibolsonarismo tomou conta de enormes contingentes eleitorais e descarregou votos no balaio lulista. E por culpa quase que exclusiva do próprio Bolsonaro, tagarela e destabocado.

A gestão ineficiente da pandemia e a língua solta deixaram Bolsonaro em situação delicada. A segunda, principalmente, confirmou a máxima de Romário, senador eleito pelo Rio de Janeiro e aliado de Bolsonaro, que, ainda jogador de futebol, sentenciou sobre o maior jogador de futebol de todos os tempos e crítico do artilheiro e hoje senador: “Pelé calado é um poeta”.

Bolsonaro também.

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