Senado X Supremo Tribunal Federal

por Sérgio Trindade foi publicado em 24.nov.23

Há tempos, principalmente entre os mandatos de Dilma e de Bolsonaro, setores da sociedade criticaram de forma mais dura e consistente o Poder Judiciário e, particularmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) (https://epoca.globo.com/tempo/expresso/noticia/2016/03/suprema-corte-esta-acovardada-diz-lula-para-dilma.htmlhttps://oglobo.globo.com/politica/lula-disse-dilma-que-stf-esta-acovardado-18893256https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/nos-temos-uma-suprema-corte-totalmente-acovardada-diz-lula-a-dilma-ouca/). No governo de Bolsonaro, então, quando a relação entre o Executivo e o Judiciário chegou ao ponto de maior tensão, as pressões aumentaram, sem que medida alguma fosse adotada.

Como é uma instituição política formada por políticos – e políticos são sensíveis ao ruído rouco das ruas e, também, são ciosos de seus espaços de poder –, antes de terminar o primeiro ano do terceiro mandato de Lula, o Senado resolveu se movimentar e, quarta-feira (22), aprovou, em segundo turno, texto de uma PEC que limita decisões individuais de ministros do STF. Eram necessários 49 votos e a proposta foi aprovada por 52 senadores. Somente 18 foram contrários. Entre os que votaram favoravelmente estava o líder do governo no Senado, Jaques Wagner. O texto seguirá para a Câmara, onde também será votado em dois turnos.

Pesquisa de opinião feita pela Genial/Quaest mostra que o Senado atua em consonância com os desejos do brasileiro comum, pois nada menos que 68% dos brasileiros concordam que os ministros do STF devem ter mandatos fixos e 66% concordam com limitação às decisões monocráticas. Somente 17% dos brasileiros aprovam o Supremo (https://www.poder360.com.br/justica/stf-e-aprovado-por-17-dos-brasileiros-diz-genial-quaest/).

O STF é, por sua natureza, um colegiado e deve funcionar assim, como ele mesmo reconheceu por meio da Emenda Regimental nº 58, aprovada em 19 de dezembro de 2022, quando a Corte era presidida por Rosa Weber (https://digital.stf.jus.br/publico/publicacao/120773). A referida Emenda dispõe sobre decisões monocráticas e pedidos de vista, com conteúdo até certo ponto próximo da PEC aprovada no Senado (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148030).

O que está ficando claro na briga atual, quando ministros do STF tomam posições públicas (e privadas, segundo corre com ameaças a senadores) contra a PEC, é uma disputa por poder, dado o receio de que ela, a PEC, seja porta aberta para um pacote de medidas (a pesquisa acima mencionada mostra que 68% dos brasileiros concordam que ministros do STF tenham mandatos fixos) que tolham cada vez mais a atuação da suprema corte. Por ora, há pouco de substância nas posições dos ministros do STF e é possível vislumbrar uma tentativa de avanço do Legislativo sobre o Judiciário.

Há gente no Congresso Nacional genuinamente incomodada com o ativismo descontrolado do STF, que, diga-se, decorreu da inapetência legislativa do Legislativo.

Em meio aos genuinamente preocupados, há os espertos, os aproveitadores e os oportunistas como ocorre quando uma medida importante (ou não tão importante)  é debatida e votada. É do jogo político.

Muito provavelmente pouco preocupado com o conteúdo da PEC, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, joga pela sobrevivência política dele. É do time dos espertos, aproveitadores e oportunistas. Sabe o senador que a reputação do STF está alguns degraus abaixo daquela que teve no início do ano, quando o tribunal se apresentava como guardião político e moral da democracia pátria e assim foi visto por parcela significativa da população.

A perda de substância política do STF mina de várias fontes, mas se robustece pela postura agressiva e mesmo cínica de alguns de seus mais destacados membros, que, sensíveis aos holofotes, desandam a falar o que pensam e a fazer o que querem sem preocupação alguma com as repercussões.

A morte, na Papuda, de um réu do 8 de janeiro, preso preventivamente, foi mais um pingo no copo transbordante, afinal ele e mais seis réus já tinham parecer de soltura expedido pela Procuradoria Geral da República (PGR), sem que o ministro-relator apreciasse o caso. Em outras palavras, funcionou a prática do engavetamento.

É preciso cautela no assunto. O Brasil tem hoje um Congresso Nacional muito poderoso, que chega a emparedar o Executivo em praticamente todos os assuntos. Então, se a PEC garantir ainda mais poder para o Congresso, a ponto d’ele impor-se sobre o Judiciário, é necessário haver contenção, sob pena de os poderes ficarem ainda mais desequilibrados.

A forma como o Congresso, no momento por meio do Senado, age, buscando espremer o STF, obrigando-o a ser cada vez mais cauteloso quando tiver de decidir assunto que esteja na fronteira entre Legislativo e Judiciário pode ser salutar para a democracia, mas se a gestão não for bem-feita pode estabelecer a tirania de um poder sobre o outro. E isso não é saudável institucionalmente. Ou alguém acha benéfico, para o funcionamento harmônico dos poderes, o Congresso estabelecer como o STF deverá distribuir – para decisão monocrática, das turmas ou do plenário – internamente os processos? Se assim for, o STF poderá meter o bedelho nos prazos regimentais do Congresso Nacional?

Uma coisa é certa: quando decidiu votar a PEC, o Congresso Nacional trouxe um benefício para o país, o de constranger o STF e levar a sociedade e a própria suprema corte a analisar posturas e práticas que abalam a própria legitimidade da suprema corte, como o excesso de decisões monocráticas e outras mais.

O debate é saudável para a democracia e demonstra que o STF não pode estar em ponto inatingível.

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