Trump, as cartas do empresário na mesa do político
Li trechos de A arte da negociação, de Donald Trump, durante a pandemia, em 2020, e algumas passagens me chamaram muito a atenção.
O jornalista Tony Schwartz conviveu com Trump por longos dezoito meses para fazer o livro, lançado em 1987, e que é um soco no estômago, um texto ao mesmo tempo visceral e atordoante. É praticamente impossível sair ileso de suas páginas.
O Trump que emerge das páginas de A arte da negociação não é bem o Trump real, segundo o próprio Schwartz, que diz: “Mentir é a segunda natureza dele. (…) Mais do que qualquer um que conheci, Trump tem a capacidade de se convencer de que aquilo que diz num dado momento é verdade, ou quase verdade, ou pelo menos deveria ser verdade” (https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/helio-gurovitz/noticia/2016/07/autobiografia-que-criou-o-mito-donald-trump.html).
Tenho pouco ou nenhum amor por lideranças políticas vivas. Os meus ídolos deste campo já morreram há décadas. Nenhum de overdose, ressalto.
Justamente por não amar políticos vivos, tento visualizá-los com lentes que me garantam certo afastamento sobre o que fazem e, principalmente, por que fazem e como fazem.
O presidente dos Estados Unidos Donald Trump não é um político de origem. Por isso, para mim, não deveria ser analisado apenas pelo ângulo da política. No entanto, Trump, empresário por vocação, também não pode ser analisado apenas pelo ângulo do mundo empresarial. Os dois enfoques, em separado, não dão conta de dizer quem ele efetivamente é, mas se um tiver de sobressair, escolho o empresário, porque é partir do campo empresarial que Trump se fez.
Ainda que carregue traços de um mandão vulgar, o homem que diz que sempre gostou de pensar grande se destacou como um empresário de sucesso, hábil e arrojado negociador que carregou para a vida pública aquilo que viveu e aprendeu no mundo das empresas.
Qualquer pessoa que tenha um objetivo a ser alcançado, deveria saber que um acordo precisa ser paciente, detalhado e eficientemente negociado. E as táticas expostas pelo atual presidente dos Estados Unidos em A arte da negociação são, ao mesmo tempo, agressivas, pragmáticas e inteiramente descomprometidas com as questões morais.
Para ele, é crucial, para fechar acordos, não desistir de forma alguma de suas pretensões, pois a negociação só se estabelece com o tempo e em virtude da determinação e da habilidade. A pressão deve ser bem dosada, para evitar a fuga do oponente. Para tal, faz-se necessário saber exatamente o que o oponente pretende, porquanto assim ser possível identificar as fragilidades dele, fortalecendo a negociação. E por último, só prometa aquilo que puder cumprir, tendo em vista a confiança se constituir em elemento essencial numa negociação.
Trump sempre aponta para o alto para, na pior das hipóteses, ganhar o possível. Para tal, o Lagarta de Pelo, como a ele se refere um amigo meu, estabelece os termos com firmeza, dispondo sobre a mesa dois elementos cruciais na arte da negociação, a força e os recursos de que dispõe para pressionar o oponente.
O que pode parecer bazófia só o é na aparência, pois as cartas são dispostas conforme o adversário a ser enfrentado. Portanto, como qualquer hábil negociador, ele está disposto a ceder. O quanto depende do quão forte e o quanto de recursos o adversário tem.
Fica evidente, pela forma como Trump joga o jogo, buscando sempre estar em posição de comando, que ele só entra numa disputa se estiver preparado para vencê-la não exatamente de forma absoluta, mas na forma possível, abaixo do que foi inicialmente apontado.