Um dia a conta chegaria

por Sérgio Trindade foi publicado em 04.out.22

A opção de votar em Lula ou em Bolsonaro, no primeiro turno, como opção de voto útil foi legítima e foi preconizada por gente que aderiu a Lula ou a Bolsonaro ao longo do processo eleitoral. A polarização política e ideológica levou a tal solução e ela era legítima, ainda que se constitua num equívoco (escreverei sobre isso durante a semana). Num dos debates televisivos, Lula chegou a afirmar, para criticar a postura dos bolsonaristas, que bons eram os tempos de polarização entre petistas e tucanos (https://www.uol.com.br/eleicoes/2022/06/01/psdb-lula-pt-polarizacao.htm).

É fato que a polarização entre tucanos e petistas era, apesar de renhida na busca pelos votos, bem amena nos confrontos, afinal os partidos representavam colorações diferentes do socialismo. Além disso, a militância do PSDB era muito menos audaciosa e ostensiva do que a sua congênere petista, sendo frequente lideranças políticas do partido nascido da costela do PMDB (hoje MDB) serem achincalhadas e atacadas, inclusive fisicamente, por gente do PT ou ele vinculado. Ou todos esqueceram o que fizeram sindicalistas ligados a José Dirceu ao atacarem covardemente, em 2000, o então governador de São Paulo Mário Covas? (https://veja.abril.com.br/coluna/augusto-nunes/a-tropa-que-agrediu-mario-covas-nao-tem-nada-a-ensinar-sobre-politica-e-cancer/).

De sua fundação, em 1980, até meados da primeira década deste século, o PT apresentou-se como a manifestação da pureza na corrupta política brasileira. Parte da direção partidária, avessa a qualquer aliança com as forças políticas tradicionais, a exemplo da recusa do partido a apoiar Tancredo Neves, no colégio eleitoral que escolheu o Presidente da República, em janeiro de 1985, seguia adubando a ideia de que o PT tinha o monopólio da virtude; a militância, aguerrida e dotada de furor messiânico, por vezes agindo como zumbis, vaiava aliados em comícios, como ocorreu durante as manifestações pelas diretas, entre 1983 e 1984.

Mesmo atolados no lamaçal da corrupção, como se viu do mensalão em diante, ainda há, por ali, quem aponte o dedo acusador para adversários, mesmo quando os adversários só têm contra si suspeitas não devidamente investigadas. Há nas camadas baixas do partido e entre seus simpatizantes sanha persecutória sem limites. Presenciei, algumas vezes, pessoas serem importunadas, no serviço público, por questionarem desmandos cometidos ou por se recusarem a se aliar aos gestores de plantão, como também fui testemunha do uso da estrutura do Estado em prol do PT dentro de repartições públicas. O ponto chegou ao pico nas eleições de 2014, quando, uniformizados com camisetas, usando bottons, etc, militantes e simpatizantes ocupavam estruturas de escolas e universidades federais para, descaradamente, tirar fotografias que seriam postadas nas redes sociais, as famosas rousselfies.

Por sinal, 2014 emblemático por outro motivo. No pleito eleitoral daquele ano, o mago da publicidade da campanha de Dilma, João Santana, conduziu, contra Marina Silva, que assumira a titularidade na chada presidencial do PSB, após a morte de Eduardo Campos, o maior e mais perverso processo de desconstrução política já feito no Brasil democrático. Hoje, haveria gente gritando “Isso é fake news” (https://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2014/noticia/2014/09/pt-e-psdb-estao-em-uma-campanha-desleal-contra-mim-diz-marina.html); (https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/eleicoes/noticia/2014/10/quem-interessa-insistir-na-bdesconstrucao-de-marina-silvab.html); (https://www.youtube.com/watch?v=giyorFzvunc).

Antes e depois disso, dirigentes do PT e militantes ensandecidos chamavam (e ainda chamam) de fascistas a qualquer um que estivesse da centro-esquerda à direita e ousasse se posicionar contra as candidaturas do partido. Até membros do PSDB, partido no qual militou Geraldo Alckmin, hoje aboletado como candidato a vice-presidente na chapa de Lula, foram comparados a Hitler. Por Lula, inclusive. Mais, no ano de 2006, em comícios no Nordeste, Lula disse que o PSDB, do seu então adversário Geraldo Alckmin, tinha preconceito contra nordestinos e só se lembrava dos pobres em época de eleição. Num comício específico decretou: “Eles acham que somos homens e mulheres de segunda categoria. Eles acham que não temos direito de partilhar da riqueza produzida neste país.” Duas campanhas presidenciais depois, em 2014, Lula acusou o tucano Aécio Neves e o PSDB de atacarem Dilma “como faziam os nazistas durante a 2a Guerra Mundial” e de serem “mais intolerantes que Herodes que matou Jesus Cristo por medo de que chegasse a ser o que foi” (https://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,AA1266025-5601,00-LULA+COMPARA+ADVERSARIOS+A+HITLER+EM+DISCURSO+A+EVANGELICOS.html); (https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,lula-compara-aecio-neves-e-o-psdb-aos-nazistas,1580453); em 2018, no primeiro turno, Fernando Haddad, para justificar a rejeição do eleitorado brasileiro à sua candidatura, sentenciou: “Parte expressiva da elite brasileira abandonou a social-democracia para o fascismo”.

Não somente Lula e o PT disseram, sem qualquer filtro, cobras e lagartos de seus adversários. O atual senador Randolfe, hoje tão cioso da civilidade nos confrontos políticos, não se fez de rogado, em 2012, chamando o então governador de São Paulo e hoje, como dito acima, candidato a vice na chapa de Lula, de fascista (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2022/04/randolfe-associou-alckmin-a-nazismo-em-2012-mas-hoje-diz-que-errou.shtml).

O desconforto de Lula – em quem vejo, apesar dos pesares, grande mérito pela trajetória política (não há dúvida alguma que o líder petista é uma das maiores lideranças políticas que o Brasil já teve e é um político extremamente tarimbado) – e do petismo (e de seus aliados históricos ou ocasionais) é que pela primeira vez na história do país, desde a fundação do PT, em 1980, há grupos que os enfrentam abertamente, utilizando das mesmas armas que um dia o PT utilizou contra seus adversários.

Há pelo menos dez anos aponto que essa coisa de perseguir adversários e, principalmente, de chamar de fascista a qualquer pessoa que não reze pela cartilha esquerdista não daria em boa coisa, porque faria a direita moderada ser engolida ou até atraída pela direita mais extremada. E o momento chegou, até moderadamente em 2018 e mais extremadamente daí em diante, gerando assombro. Era desastre anunciado, possível de ser facilmente percebido com certa antecedência. Agora, caros, o carro já anda em alta velocidade e será muito difícil brecá-lo ou fazê-lo ir mais devagar. O momento de arrumação era lá atrás, exercitando a moderação que, hoje, Lula e os seus dizem querer exercitar e que só causa ainda mais desconfiança.

Pergunte aos que votam na direita: quem confia na moderação de Lula?

Eu sei a resposta, sem recorrer aos institutos de pesquisa, como sabe qualquer pessoa bem-intencionada ou quem sofreu reveses na vida profissional e pessoal, por mesquinhez e deslealdade.

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