Rio Grande (do Norte): os índios resistem aos portugueses
Quando da repartição do território brasileiro, coube a João de Barros e a Aires da Cunha a porção que hoje é grande parte do atual território do Rio Grande do Norte e que à época foi batizada como capitania do Rio Grande. Os dois donatários, porém, não conseguiram ocupar o território de cem léguas de largura que lhes foi concedido.
A capitania do Rio Grande ia de Baía da Traição ao rio Jaguaribe e antes de ser assim chamada era conhecida como terra dos potiguaras, porque ali viviam os potiguares, grupo indígena pertencente ao tronco linguístico tupi-guarani e que ocupava os litorais dos atuais estados do Ceará, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco.
Em História do Rio Grande do Norte, Tavares de Lyra menciona divergências sobre os limites da capitania do Rio Grande. Cândido Mendes fixa o limite norte no rio Jaguaribe, enquanto Rocha Pombo defende a tese do limite ser o rio Mandaú; Matoso Maia cita a cordilheira do Apodi. Para Varnhagen, citado por Câmara Cascudo, a “extensão do litoral daí para diante, o resto da atual Paraíba e Rio Grande do Norte, coube a João de Barros e a Aires da Cunha, de parceria; contando-se-lhe cem léguas além da Bahia da Traição.” A Carta de Doação, segue Cascudo, foi extraviada e um requerimento de Jerônimo de Barros, filho do donatário João de Barros e seu herdeiro, indica que a doação era de cinquenta léguas no Rio Grande do Norte, a partir de baía da Traição, e vinte e cinco léguas no Maranhão. Frei Vicente Salvador afirma que o próprio João de Barros faz menção ao Maranhão, mas que no Brasil só tivera uma capitania, que seria a capitania do Rio Grande.
O historiador Tarcísio Medeiros achou no início da década de 1980 a Carta de Doação feita a João de Barros e por meio desse achado constata-se que a capitania do Rio Grande tinha cem léguas de frente, com cada um dos donatários ficando com 50 léguas: os limites de João de Barros iam da baía de Traição à foz do rio Açu; os de Aires da Cunha do delta do Açu à Angra dos Negros.
Em 1535, Aires da Cunha chefiou uma esquadra bem aparelhada com o objetivo de iniciar a colonização da área.
A frota foi rechaçada pelos índios potiguares que andavam em aliança com corsários franceses, então interessados no tráfico de pau-brasil, madeira valiosa e abundante ao longo da costa brasileira, entre o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro.
A expedição era composta por 900 homens e cem cavalos. Eram dez navios que atravessaram o Atlântico sem maiores problemas.
Segundo Eduardo Bueno, nenhuma expedição montada em Portugal com destino ao Brasil recebera tantos recursos. Fernão Álvares, João de Barros e Aires da Cunha arregimentaram 900 soldados, 120 cavalos e 600 colonos, distribuídos em cinco naus e cinco caravelas, num investimento de aproximadamente 600 mil cruzados. Uma frota quase tão poderosa quanto as de Colombo, Vasco da Gama, Cortez e Pizarro reunidas.
Tirando o exagero, “era a maior esquadra que, até então, jamais partira de Portugal para a América, com dimensões só inferiores às da armada de 13 navios com a qual, 36 anos antes, Pedro Álvares Cabral descobrira o Brasil”. No dia 6 de janeiro de 1536, a frota surgiu em frente ao porto de Olinda, no qual Duarte Coelho e seus homens estavam instalados há cerca de dois meses. O encontro entre Duarte Coelho e Aires da Cunha, que já se conheciam, foi caloroso. Ambos tinham combatido juntos em Malaca e chefiado a esquadra dos Açores. Cascudo descreve o encontro: “Em dezembro atingem a Pernambuco onde os recebe Duarte Coelho, agasalhando-os, fornecendo-lhes intérpretes, guias para o nordeste e mesmo uma frusta, embarcação chata e leve, movida a remos, para aproximar-se da costa, e verificar o recorte das praias. (…) De Pernambuco (não se sabe o ponto de partida, Olinda ou Igaraçu), Aires da Cunha, com 900 homens em dez navios, veio bordejando pelo litoral, desprezando o Rio Potengi (Rio Grande) e fundeando na foz do Rio Baquipe, Rio Pequeno ou do Ceará Mirim, menos de doze quilômetros ao norte da futura cidade do Natal”.
A expedição tentou desembarcar nas proximidades da foz do rio Ceará-Mirim, mas Aires da Cunha e seus homens foram rechaçados pelos índios potiguares e pelos franceses. Morreram setecentos combatentes, setenta dos quais na frustrada tentativa de desembarque no Rio Grande. Dessa forma, Aires da Cunha praticamente limitou-se a reconhecer o litoral da capitania, contornando-o até a ilha do Maranhão ou Trindade. Bem antes de chegar ao Maranhão, em algum ponto entre a foz do rio Ceará-Mirim e o cabo de São Roque, a expedição recolheu alguns náufragos espanhóis “da expedição de D. Pedro de Mendoza – cujo galeão havia se desgarrado da frota enviada para colonizar Buenos Aires e, depois de ficar algumas semanas à deriva, afundara ali, cerca de um ano antes”. Depois de relatar os horrores que viveram, uma parte deles juntou-se aos portugueses.
Na expedição que segue até o Maranhão, segundo Cascudo, Aires da Cunha morreu quando “a nau-capitânea espatifou-se nuns rochedos”. Ainda de acordo com o ilustre historiador, os que restaram fundaram, em março de 1536, um povoado, batizado de Nazaré. Teve vida efêmera.
Há quem afirma que os filhos de João de Barros tentaram fixar-se na capitania do Rio Grande, mas foram rechaçados novamente pelos indígenas; os poucos homens que se aventuraram por terra foram mortos pelos índios. Eduardo Bueno, escorado em bibliografia robusta, nega essa nova tentativa dos filhos de João de Barros. É certo que João e Jerônimo, depois de saírem do Maranhão caíram prisioneiros dos espanhóis, respectivamente, em Porto Rico e na Venezuela, o que muito afligiu ao seu pai. O grande historiador português e donatário fracassado “gastou muita palavra e muito ouro”, segundo Câmara Cascudo, para resgatar seus filhos, seus navios e seus colonos, além de, por conta própria, pagar pensão à viúva e aos filhos de Aires da Cunha e a outros parentes de integrantes da expedição.
Uma segunda tentativa de colonização foi realizada em 1555. Novo fracasso.
Gabriel Soares afirma que João de Barros ainda armou mais navios e remeteu mais gente “sem dessa despesa lhe resultar nenhum proveito”. Na tentativa de ocupar e colonizar o Rio Grande, João de Barros gastou uma quantia considerável, ficando, segundo Frei Vicente do Salvador, “tão pobre e endividado que não pôde mais povoar a sua terra”. Ainda assim, o donatário continuou parcialmente interessado na capitania, assegurando-se dos seus limites e administrando-a por meio de um procurador, Antônio Pinheiro, baseado em Igaraçu (Pernambuco) arrendando trechos de seu território para a extração do pau-brasil ou coleta de búzios, mas nunca tomou posse dela, revertendo-a à Coroa portuguesa na segunda metade do século XVI.
Somente na década de 1590, por meio das Cartas Régias de novembro de 1596 e de março de 1597, foi que o Estado português tomou pé da situação, determinando a imediata ocupação da região.