A paz celebrada com os índios: aberto o caminho para a fundação de Natal

por Sérgio Trindade foi publicado em 30.dez.23

Natal só foi fundada após portugueses e indígenas entrarem em acordo, pois desde o início da colonização do Brasil, por volta de 1530, os nativos, aliados aos franceses (escreveremos sobre isso em outra oportunidade), inviabilizaram a ocupação lusitana do território e mesmo depois da construção da Fortaleza dos Santos Reis, isolada, como diz Câmara Cascudo na sua excelente História da Cidade do Natal, “no seu arrecife cercado pelo mar assim como a guarnição estava circundada pela indiada furiosa”, estava claro que armas “nada fariam”, pois vencido, “recuava o indígena como uma onda e voltaria mais forte, quebrando-se nas muralhas de pedra dos Reis Magos”. Por isso, era hora de “embainhar a espada e dar a palavra ao padre”.

Antes de prosseguir é bom fazer um esclarecimento. A fortaleza construída não é a mesma que hoje está na embocadura do rio Potengi, mas, conforme Hélio Galvão, na sua História da Fortaleza da Barra do Rio Grande, “uma fortificação provisória, com o mínimo de segurança para abrigar a gente da expedição, protegendo-a contra o inesperado ataque do gentio. Também não foi erguido no arrecife, porque construção daquele tipo não resistia ao primeiro impacto das águas (…). Simples paliçada, na praia, fora do alcance das marés”.

Após lutas travadas ao longo de seis décadas, finalmente a paz entre portugueses e nativos foi celebrada, não pela força militar, mas pela ação missioneira e diplomática de padres como Francisco Pinto e do mestiço Jerônimo de Albuquerque, filho de Jerônimo de Albuquerque e da índia Maria do Espírito Santo (nome cristão), filha cacique Arco Verde.

Um adendo, o capitão Jerônimo de Albuquerque, filho, foi o primeiro brasileiro nato a assumir posto de comando. No século XVII comandou a expedição que expulsou os franceses do Maranhão e teve o nome modificado para Jerônimo de Albuquerque Maranhão. O seu pai, Jerônimo de Albuquerque, cunhado de Duarte Coelho, donatário da capitania de Pernambuco, foi feito prisioneiro pelos índios, entre Olinda e Igaraçu, e seria sacrificado em ritual antropofágico caso a filha do cacique Arco Verde não tivesse caído de amores por ele. Meio índio e meio branco, o segundo Jerônimo de Albuquerque gozava de imenso prestígio entre as duas etnias (nações) e, por isso, foi peça-chave no acordo que resultou na pacificação dos indígenas da capitania do Rio Grande, ponto de partida para a fundação de Natal.

Quando da pacificação dos nativos, Jerônimo de Albuquerque comandava a guarnição da Fortaleza dos Reis e, valendo-se da proximidade que criou com um prisioneiro, Ilha Grande, convenceu-o da necessidade de pacificação. O prisioneiro foi elo crucial entre os luso-brasileiros e os índios potiguares, pelo prestígio que tinha junto aos chefes de aldeias.

Convencidos de que era importante a cessação das hostilidades, alguns chefes indígenas foram à Fortaleza para se inteirarem da mensagem de paz trazida por Ilha Grande. Estabelecido o contato, mensageiros foram despachados da fortificação até Pernambuco para informar ao capitão-mor Manuel de Mascarenhas Homem e este fez chagar a notícia ao governador-geral do Brasil, Francisco de Souza, baseado em Salvador (Bahia).

Feitas as primeiras tratativas, o acordo de paz foi selado no dia 11 de junho de 1599, em Filipeia de Nossa Senhora das Neves (atual João Pessoa), com as presenças de Manuel de Mascarenhas Homem (capitão-mor de Pernambuco), Feliciano Coelho (capitão-mor da Paraíba), Brás de Almeida (ouvidor-mor do Brasil), o frei franciscano Bernardino das Neves (intérprete) e o padre Francisco Pinto, do lado luso-brasileiro; os representantes dos nativos foram Ibiratinin, Paraguaçu, Zorobabé e Ipanguaçu. Naquele dia, afiança Cascudo, em seu estilo brilhante e elegante, a “história do Rio Grande do Norte finda um dos capítulos iniciais e ásperos com um tratado político, o nosso primeiro, “entre duas raças, duas civilizações, duas mentalidades. O indígena, com seu enduape vistoso, o canitar ondulante, o tacape invencido, os colares de dentes de onça, a pedra verde das metaras enfiada no beiço, consente em desaparecer, depois de servir três séculos…”.

Realizada a paz, duas das três ordens do rei D. Felipe II estavam cumpridas – a construção da Fortaleza e a posse da terra. Faltava uma, a fundação de uma cidade, “o segundo número do programa del-rei”. Cumpridas todas as tarefas, estaria estabelecida a cabeça-de-ponte para a aventura em direção ao norte do Brasil.

Sobre os dois temas (fundação de cidade e cabeça-de-ponte) escreveremos posteriormente.

posts relacionados
Logo do blog 'a história em detalhes'
por Sérgio Trindade
logo da agencia web escolar