A elegia do riso perdido
Meio abatido, na noite de sábado, deite-me e procurei algo para assistir na TV. Depois de uns 10min de busca, encontrei Meu Amigo Bussunda, série do Globoplay.
Há quem diga que o humor é a forma mais séria de pensar um país, e Meu Amigo Bussunda, dirigida por Cláudio Manoel, Micael Langer e Júlia Besserman, confirma essa tese com a leveza de quem ri para não chorar.
O documentário é, antes de tudo, um retrato melancólico de uma geração que fez da paródia um modo de existir – e do escárnio, uma forma de resistência ao Brasil que se levava a sério demais, mesmo quando não devia.

Imagem feita com auxílio de IA
Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda, surge naquele momento como o bufão irresistível do Casseta & Planeta e como metáfora de um país em crise de identidade – entre a irreverência e o cinismo. O riso dele, largo e desarmado, era um gesto de comunhão num tempo em que o humor ainda tinha licença para ser escrachadamente cruel.
É curioso notar que a série, ao mesmo tempo que celebra o mito, humaniza-o, mostrando o Bussunda real, o sujeito preguiçoso, doce e contraditório, mais afeito à pelada e à cerveja do que ao estrelato.
A direção, especialmente nas mãos de Cláudio Manoel – amigo e parceiro de cena –, imprime um tom de memória afetiva, sem cair no sentimentalismo fácil. O filme tem o mérito de ser uma elegia sem ser um velório. Há tristeza e festa. O humor é tratado como uma forma de inteligência social, uma ferramenta política, e não apenas um alívio cômico. E nisso está talvez a grandeza da série, a saber, fazer pensar o humor brasileiro como um projeto coletivo de interpretação do país, à maneira do que foram, em tempos distintos, O Pasquim, o TV Pirata e, depois, o próprio Casseta & Planeta.
Há uma espécie de arqueologia da risada. A cada episódio, escavamos não apenas a trajetória de Bussunda, mas a atmosfera de uma época em que a televisão ainda ditava o riso nacional. É impossível não sentir um certo espanto histórico com um Brasil que ria do FHC boca mole e do Ronaldinho Gordo. O mesmo Brasil que hoje cancela piadas no tribunal das redes sociais. O riso de Bussunda era um riso popular, de bar e arquibancada, sem cálculo, sem pós-ironia. Ria-se de tudo, inclusive de si mesmo.
A série mostra, com habilidade narrativa, o declínio de uma forma de fazer humor que não é mais permitido no presente. Não há, contudo, ressentimento. Há uma consciência de que o tempo passou e que a gargalhada perdeu o seu chão.
Ao revisitar Bussunda, revisitamos o Brasil dos anos 1990 e início dos 2000, aquele que ainda acreditava que rir de políticos era uma forma de puni-los, e não de legitimá-los. Era um país onde o deboche servia de catarse, não de anestesia.
É uma crônica da amizade como forma de salvação. Porque o que sustenta o filme, no fim das contas, é o laço humano entre os que riram juntos. A amizade, nesse contexto, é um modo de entender o Brasi, um país que, em sua precariedade emocional, só funciona quando se faz companhia na risada.
O tom melancólico, quase elegíaco, emerge sobretudo nos depoimentos de Júlia Besserman, a filha. Ela não fala de um mito, mas de um pai ausente e presente ao mesmo tempo, cuja ausência virou presença pública. O documentário se equilibra entre a dor íntima e a memória coletiva, entre o afeto privado e o mito televisivo. E é justamente nessa ambiguidade que reside sua força estética – a capacidade de emocionar sem ser piegas, de rir sem se desculpar.
Há, ainda, um mérito político. Ao revisitar o humor dos anos 1990, Meu Amigo Bussunda toca numa ferida atual: a da censura disfarçada de correção moral. O humor, que sempre foi a válvula de escape da democracia, hoje é visto como ameaça. A série, sem precisar dizer, recorda que a liberdade de rir é também uma forma de pensar livremente.
O último episódio é, talvez, o mais tocante. Mostra a morte de Bussunda, durante a Copa de 2006, em plena cobertura do evento, como um desfecho quase literário: o palhaço morre no circo. A comoção é grande, o documentário, porém, não se deixa capturar pela lágrima e termina como começou: com o riso. Porque, no fundo, Bussunda não morreu. Continua ecoando nas vozes de quem aprendeu com ele que o humor é o último reduto da esperança nacional.
Meu Amigo Bussunda é mais do que uma homenagem. É espelho de um Brasil que soube rir de si mesmo – e que, talvez por isso, merecesse um futuro mais leve. Um retrato fiel de um país que já foi espirituoso antes de se tornar rancoroso. E que, quem sabe um dia, volte a rir com o mesmo deboche e ternura.