O país dos convictos vazios
O drama da política brasileira não está, meus três ou quatro leitores, no conflito de ideologias, um folclore repetido e que já nasceu caricato. Esquerda e direita, hoje, são personagens previsíveis de uma comédia de costumes em cartaz permanente. Os dois lados entram em cena já dizendo suas falas, tropeçam nos próprios clichês e saem aplaudidos pela claque. O verdadeiro escândalo nacional é outro, muito mais indecente, a saber, o triunfo da preguiça intelectual travestida de convicção moral. Nunca se pensou tão pouco e com tanta certeza. Nunca se falou tanto com tão escasso lastro. O Brasil não sofre de excesso de opinião, mas de falta de leitura, e, pior, da falta de vergonha por não ler.
É nesse pântano que prospera o opinador militonto, figura que brota aos borbotões das plataformas digitais. Ele fala alto, escreve com raiva e com ressentimento e acredita piamente que isso basta. Aborda a complexidade brasileira, um país que exige, para ser compreendido, um punhado do melhor conhecimento científico, com a desenvoltura de quem comenta uma pelada do Brasileirão. Não estuda, não hesita, não duvida. A dúvida, para ele, é coisa de fracos. O esforço analítico é visto como um luxo burguês, quase uma perversão. Seu maior talento é transformar a miséria de suas certezas numa revelação divina, algo entre o Monte Sinai e um tutorial de rede social.
E como todo falso profeta, ele precisa de fiéis. E eles brotam às centenas, aos milhares, aos milhões. Uma massa de seguidores de peito estufado e consciência oca, que se autointitula “patriota” como quem veste uma fantasia. Não têm tempo, coitados, para a história, a economia, a sociologia, a antropologia… Preferem o conforto das palavras de ordem, dos slogans, esse droga moral que dispensa o estudo e absolve a ignorância. Trocam a pátria e a nação real, aquela que dá trabalho, cobra leitura e exige contradição, por uma pátria imaginária, limpa, simplificada e obediente e, de quebra, ainda exibem uma servidão voluntária tão asquerosa que chega a ser admirável pela coerência.
Esses seguidores não querem compreender o país; querem apenas vencer uma discussão. Não buscam verdade, só aplauso. Sua devoção não é à nação, mas ao próprio ressentimento. O Brasil, para eles, não é um problema histórico, social ou humano, mas um meme. E como todo meme, precisa ser simples, repetível e agressivo. A mediocridade, quando amplificada pela internet, deixa de ser defeito individual e vira ideologia de massas. É a revanche do simplório contra o complexo, do grito contra o argumento, do achismo contra o conhecimento.
O opinador militonto, por sua vez, fala de leis internacionais como quem fala de feitiçaria instantânea. Evoca sanções, punições e complôs globais com a fé de uma benzedeira apressada. Não sabe do que se trata, mas isso é detalhe irrelevante. Importa o efeito retórico, o ar grave, a indignação ensaiada. Ele não quer resolver nada, só performar, pois está convencido de que um vídeo inflamado pode substituir décadas de estudo. Seu desconhecimento não o constrange, até o estimula. Ignorar, nesse universo, é sinal de autenticidade.

Imagem feita com auxílio de IA
E assim seguimos, como uma tragicomédia mal encenada. De um lado, os opinadores militontos, convictos de que pensar é perda de tempo. Do outro, seus seguidores, orgulhosos de não saber. Ambos unidos por um pacto tácito contra a complexidade. Ambos aterrorizados pela ideia de que o mundo não cabe num post, numa frase de efeito ou num xingamento bem colocado. O Brasil vira pano de fundo para essa farsa, reduzido a palco de vaidades, ressentimentos e certezas baratas.
Estamos diante de uma epidemia de almas rasas com voz de trovão. Nunca foi tão fácil falar e tão difícil pensar. Nunca foi tão perigoso ter convicção sem cultura. O resultado é esse desfile de certezas ocas, patriotas de fantasia e opinadores messiânicos, todos convencidos de que salvarão o país, desde que ninguém os obrigue a abrir um livro para ler.