Encontrei coerência na incoerência
O texto é do colega e amigo Luiz Roberto, professor de Filosofia.
O aparente jogo de palavras do meu título para este festival de linhas mal escritas, guarda um sentido muito particular para a forma como encaro as supostas guerras ideológicas que vivemos.
Mas antes de eu tentar explicar o meu aparente contrassenso, acho que ilustraria melhor as coisas, conseguindo mesmo alfinetar aqueles para os quais dirijo minhas críticas, se explicar o motivo que me leva a escrever hoje.
Tomei notícia, na última semana, que um estimado colega assumiria um cargo importante na esfera executiva do governo federal. Falo do professor, do Departamento de Artes, da UFRN, Tassos Lycurgo, pessoa extremamente íntegra, competente, de vasto currículo, com uma enorme e invejável experiência profissional.
Tassos foi convidado para se tornar diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial, do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Para minha surpresa, dentre os diversos predicados que poderiam ser pincelados, pontuados do currículo do professor Tassos Lycurgo, para compreender o seu perfil ou adequação para o convite, e possível assunção ao cargo, um único ganhou repercussão. E quando falo repercussão, quero dizer repercussão mesmo, a nível nacional. Foi sua atividade como pastor que ganhou as manchetes e as discussões. Isso mesmo, o exercício de sua fé.
Me pergunto o porquê não mencionarem, no lugar da fé, sua destreza ou não como jogador de basquete. É, já que é para ser nonsense, que o sejamos com garra, determinação e coragem.
Daqui a pouco talvez nos embrenhemos nos atributos físicos dele. Não custa nada. É só se esforçar mais um pouco.
Os leitores podem estar imaginando que surtei, por criar torvelinhos de pensamento, toscos na melhor das hipóteses. Mas a intenção é justamente esta. Pelo menos eu tenho a hombridade de assumir minhas intenções, já que a incompreensão e incoerência reinam. Vamos persistir neste caminho. Em time que está ganhando não se mexe, já dizia o dito popular. Solicito que me deem um motivo razoável para não aproveitar a oportunidade de tornar o incoerente ainda mais incoerente.
Voltando ao ponto. Quando não temos motivos para questionar a reputação ou o trabalho de alguém, o que fazemos? Assassinamos a reputação desse alguém por um arrazoado sequestrado na lata de lixo da história. Talvez, assim, a pessoa consiga se dobrar às nossas expectativas. Talvez assim os fatos se dobrem aos nossos pensamentos doentios.
Perguntam por qual motivo me excedo.
Respondo: ele nem assumiu o cargo, e já é sugerido, ou melhor, apontado que sua fé interferirá no exercício do mesmo.
Ah, talvez a razão, para esta constipação intelectual da mídia militante e da intelligentsia progressista, seja que os diretores anteriores do IPHAN não professavam fé alguma. Aí, por decorrência lógica, possuir fé seja uma característica, no mínimo, inesperada para o exercício de algum cargo lá.
Mas, sinceramente, se posso rifar, sem motivo razoável algum, o exercício da fé de um indivíduo para tecer pseudocríticas ao trabalho que ainda será executado por este mesmo indivíduo, acho que podemos rifar qualquer coisa. Partindo desta premissa, guardo-me o direito de não me resguardar na fé do professor Tassos Lycurgo. Vou encontrar um motivo que me seja mais conveniente, ainda mais importante do que as críticas infundadas.
O que salta aos olhos é ver que os supostos progressistas (porque é deles que advém toda a profusão de canalhices travestidas de moralidade pública, como Sérgio Trindade pontuou), conseguem se superar sempre em seu eterno, incansável e inabalável trabalho para que se mantenham incoerentes.
Contudo, não esqueçam, a incoerência não pode ter aparência de incoerência, mas de moralidade e preocupação com a coisa pública. A coerência é conseguir viver assim, sempre. Sem nunca ter vislumbres da aliança entre o que se diz e o que se faz. Desejar isto seria uma mera distração cognitiva.
Por isso mesmo que causa espanto, às vezes, perceber que a única coerência que podemos esperar deles é a manutenção da incoerência de pensar, de agir, de viver. São usinas nucleares de contradições. Não conseguem manter um alinhamento mínimo entre o que pensam (defendem), o que falam e o que fazem. É uma promiscuidade absurda e absoluta de conceitos, valores, práticas… e sei lá mais o que.
É isso que dá professar um credo secular. Vez que não leem nem os livros sagrados deles mesmos, pois apenas precisam acreditar no que seus profetas e mestres lhes dizem. Só podia resultar neste bacanal de aberrações. Ou seja, acham que são paladinos da verdade, da justiça, da igualdade, da tolerância. Mesmo que não acreditem na verdade, que justiça seja só o que convém a eles, e que não renunciem a conforto algum para consolidar a igualdade no mundo. E que, por fim, a tolerância deles seja essa que o professor Tassos está experimentando.
Intolerância só existe quando são os outros que praticam. Quando quem pratica a intolerância são os que se dão superioridade moral para todos os julgamentos e condenações públicas, a famosa tchurminha do selo azul, isso ganha o nome e contornos de interesse público.
O amigo Sérgio Trindade mencionou em seu texto que a imprensa e a academia estão sendo covardes nos ataques ao professor Tassos Lycurgo. Chamá-los de covardes é pressupor que possam ser corajosos também. Não! Eles apenas estão sendo coerentes, meu querido! Eles estão sendo coerentes com toda a história deles. Esta é a história da hegemonia cultural que domina a academia e a imprensa brasileiras.
Isso precisa ser dito e repetido.
Um provérbio oriental prega mais ou menos o seguinte: Tempos fáceis geram homens fracos, que certamente geram tempos difíceis, mas são os tempos difíceis que geram os fortes. Portanto, na circularidade da vida, resta-nos esperar que surjam homens fortes em meio a estes tempos estranhos. Pois, se os homens fortes forem estes aí, estou com medo dos tempos fáceis que estão por vir.