No rastro de cangaceiros – sertões alagoano, baiano, pernambucano e sergipano (2)
João de Sousa Lima é pernambucano de São José do Egito e reside em Paulo Afonso, Bahia, desde o início de 1970, tendo sido agraciado, em 2016, pela câmara de vereadores do município baiano com o título de cidadão. Três anos depois recebeu, por decreto legislativo, o título de cidadão honorário de Piranhas, Alagoas.
Licenciado em História, dedicou mais de 30 anos dos 58 de vida ao estudo do cangaço; recebeu por isso numerosas condecorações e escreveu mais de vinte trabalhos sobre o fenômeno cangaceiro e sobre elementos da história e da cultura nordestinas.
Conheci-o nesta última viagem que fiz pelos sertões nordestinos, com foco nas seguintes localidades – Paulo Afonso (BA), Piranhas (AL) e Canindé do São Francisco/Poço Redondo (SE), e fiquei impressionado com a quantidade de informações e conhecimento que ele dispõe sobre o cangaço.
Um misto de sagacidade, dedicação e persistência fizeram desse baiano nascido em Pernambuco um descobridor de cangaceiros, soldados-volantes, coiteiros e muitos outros personagens envolvidos com esse fenômeno tipicamente nordestino. Todos falaram para esse impetuoso pesquisador e trouxeram à tona passagens pouco conhecidas e mesmo nebulosas sobre aqueles anos no sertão do nordeste. Merecem destaque Alecrim, Antônia de Gato, Aristéia, Bem-te-vi, Garrafinha, Manuel Tubiba, Maria de Pancada e três de suas maiores descobertas: Dulce, Durvinha e Moreno. Entre outros. E outro tanto que estava à vista, que eram amplamente conhecidos, também contaram muitas histórias para o diligente pesquisador.
Foi por meio de sua garimpagem histórica, nas veredas do tempo e nos caminhos do sertão, que João soube e correu atrás de uma história importantíssima, a saber, a possibilidade de Lampião e Maria Bonita contarem com outro filho vivo; até recentemente supunha que Expedita fosse a única filha dos reis do cangaço.
Maria Bonita entrou para as hostes cangaceiras entre o final de 1929 e o início de 1930 e já em novembro de 1930 estava para parir o primeiro filho (ela foi casada com um primo, mas não teve filho no casamento), morto durante o parto na casa dos coiteiros Venceslau e Maroca, no distrito de Campos Novos, Paulo Afonso (BA). Quem deu a notícia a Lampião foi Lau (Venceslau): “Era um ômin, mas Jesus levô”. Impassível, diz João de Sousa Lima, no seu livro Maria Bonita, a rainha do cangaço, amparado em depoimentos de testemunhas do evento: “Lampião, afeito à brutalidade do meio em que vivia, apenas mirou o olhar em direção ao infinito, onde árvores secas farfalhavam debaixo de um sol escaldante”.
Dois anos depois, o casal teve a felicidade de ver o nascimento da filha Expedita, a única, era o que se pensava, das quatro gerações de Maria Bonita que vingou, até que surgiu, como dito acima, graças às ingentes pesquisas de João de Sousa Lima, a possibilidade de um outro rebento, filho do mais famoso casal de cangaceiros, ter sobrevivido. À época, primeira década deste século, registra o sociólogo e pesquisador Voldi de Moura Ribeiro, esteve em curso o processo de reconhecimento, por tecnologia do DNA, para identificar a paternidade de Ananias, apelidado de Pretão, então provável filho de Lampião e Maria Bonita.
Expedita, é bom ressaltar antes de seguir, ficou sob os cuidados do vaqueiro Severo Mamede e de sua mulher dona Aurora, na fazenda Exu, município de Porto da Folha, Sergipe.
É importante dar voz a João de Sousa Lima, que nas pesquisas empreendidas para escrever o Maria Bonita, a rainha do cangaço tropeçou num tema emaranhado e polêmico (no texto seguinte vamos abordar este caso com mais detalhes). Diz ele que concentrando suas pesquisas em Malhada da Caiçara (onde nasceu e viveu Maria Bonita até entrar para o cangaço) e no Sítio do Tará, localidades nas quais ainda hoje residiram e ainda residem velhos amigos, sobrinhos, primos e irmãos de Maria Bonita, sempre que perguntava sobre os dois irmãos mais novos da cangaceira, Arlindo e Ananias, gêmeos muito diferentes, um clima de apreensão e mesmo medo rondava o ambiente, razão pela qual resolveu conferir o que havia por baixo do assunto com pessoas que não tivessem grandes vínculos com a família. O caminho lhe foi aberto por um primo de Maria Bonita, Manuel Maria dos Santos (Nequinho), do povoado Xingozinho. Segundo ele, Arlindo e Ananias não eram irmãos, mas tio e sobrinho, pois Arlindo é filho de dona Déa (mãe de Maria Bonita) e Ananias é filho da rainha do cangaço. E explica: “Tem um sítio chamado Baixa Fria, (…) próximo ao povoado Rio do Sal (…), um dos grandes coitos de Lampião [e] administrada pelo senhor Mané Chiquinho, filho do famoso coiteiro Odilon Café, do povoado Sítio do Tará. Por várias vezes, Lampião deixou Maria aos cuidados de Mané Chiquinho, enquanto os cangaceiros faziam algumas viagens. Mané foi a principal prova de que Ananias era filho de Lampião e Maria Bonita, pois foi na Baixa Fria que dona Déa foi pegar a criança para criá-la. (…) Um dos gêmeos nasceu num dia e o outro um dia depois. Você já viu gêmeos tão diferentes? Pode perguntar às pessoas mais velhas aqui próximo que elas vão te contar o que eu estou dizendo”.
Várias pessoas foram confirmando a história para João de Sousa Lima: Osvaldo Café e sua irmã Olindina, filhos do coiteiro Odilon Café, do Sítio do Tará, bem como um dos filhos de Mané Chiquinho, de nome Manuel. Disseram ainda que “era um assunto que todos daquela região comentavam sempre. O mesmo disse Firmino Martins dos Santos (Firmo), de Malhada da Caiçara, casado com Maria Rodrigues, prima e grande amiga de Maria Bonita. Segundo Firmo, a mãe de sua mulher (Maria Rodrigues), dona Ursulina Pereira da Silva, tia e madrinha de Zé Felipe, pai de Maria Bonita, contou-lhe que Ananias era filho de Lampião e de Maria Bonita.
Como foi o transcurso e o desfecho do caso vocês lerão no próximo texto da série.