Na real de quatro
Hélio Câmara, um dos maiores comunicadores do Rio Grande do Norte – e dos poucos homens que ainda sabiam diferenciar o gênio do farsante – costumava dizer, quando queria criticar um jogador excessivamente individualista, com a solenidade dos profetas: “Futebol não é individual, garotinho. Futebol é association”.
E tinha razão. Uma razão que hoje, depois de décadas de dribles inúteis e egos de borracha, reaparece vestida com a camisa do Paris Saint-Germain.
O PSG, aquele mesmo que já foi passarela de estrelas vaidosamente presunçosas, hoje é um colosso sem espelho. Sem vaidades. Pisoteia adversários com o vigor impessoal de uma máquina. Deixou de ser salão de beleza e virou quartel-general. Venceu a última Champions League com a naturalidade de quem lava as mãos: um 5 a 1 impiedoso contra a Inter de Milão.
E agora, como quem lava os pés de um defunto, aplicou um 4 a 0 no Real Madrid. Um massacre. O grande Real Madrid foi, no primeiro tempo, sparring do time francês.
O primeiro tempo foi um escândalo. O PSG tratou o Real como um açougueiro trata a carcaça: com precisão e desdém. Fez três gols e poderia ter feito quatro ou cinco não fosse o goleiro madridista, que teve uma noite digna dos mártires cristãos — defendeu com o fígado, com os joelhos, com o nome da mãe. Foi heroico, embora inútil.
Ao final, PSG 4 X 0 Real Madrid, um placar que deveria ser lido em voz baixa, como uma blasfêmia. E o mais diabólico, o mais deliciosamente ofensivo, é que o Botafogo de Futebol e Regatas, sim, o Botafogo!, venceu, fase classificatória da Copa do Mundo de Clubes, um outro PSG por 1 a 0.
Aí está o milagre. Aí está o absurdo. O futebol, esse teatro de horrores e epifanias, não perdoa quem acha que já entendeu o enredo.
Ou seja: o futebol é uma caixinha de surpresas. Acho que já li ou ouvi isso em algum momento.