Não era carta fora do baralho
Escrevendo sobre a morte de Zagallo, ocorrida no dia 5 de janeiro último, eu realcei o fato de o treinador ser alguém que implantou sistemas táticos engenhosos, como o 4-3-3 que revertia para 4-4-2, de 1970, e o 4-3-1-2 que revertia para 4-4-2, de 1998.
Zagallo não era propriamente um revolucionário, mas inovou, como jogador e como treinador, taticamente nas seleções brasileiras nas quais atuou jogando e treinando. E não foi retranqueiro, de que muitos o acusam. Tampouco levou para a copa de 70 o time montado por João Saldanha.
A seleção brasileira de 1970 era uma potência atacando e não se descuidava do sistema defensivo, daí algumas ousadias temperadas com cautela administradas no tempero daquela máquina fenomenal. Para tanto, Zagallo montou uma zaga com um craque ofensivo na lateral direita (Carlos Alberto) e sacou da lateral esquerda o jovem e talentoso Marco Antônio, considerado ofensivo, para compor com o operário Everaldo, obediente e disciplinado marcador. Para qualificar a saída de bola, recuou o volante Piazza, que compôs o miolo de zaga com vigoroso Brito. O time atrás ficou assim: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo (o time de Saldanha era Félix, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo).
O meio-de-campo do time de Saldanha, nas eliminatórias, era formado por Piazza e Gérson. Zagallo mexeu, e muito, na estrutura. O meio-de-campo, na Copa, teve o jovem Clodoaldo no lugar do agora zagueiro Piazza, manteve o cerebral Gérson e passou a contar com a divindade Pelé e, grande novidade, com a efetivação de Rivellino, responsável, junto com Gérson, pela marcação e armação das jogadas, escudados pelo talento e jovialidade de Clodoaldo. A meia-cancha, portanto, era formada por Clodoaldo, Gérson, Pelé e Rivellino, ajustando, se necessário, e formando com Clodoaldo, Gérson e Rivellino.
Na frente, Saldanha montou um ataque com Jairzinho, Tostão, Pelé e o garoto Edu, enquanto Zagallo fez um ataque que, como o meio-de-campo, também variava, ora com três (Jairzinho, Tostão e Pelé), ora com quatro (Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino).
A diferença de nomes entre os integrantes da equipe é visível. A formação tática igualmente.
Dos seis jogadores que formaram o meio-de-campo e o ataque do time treinado por Zagallo, cinco eram armadores ou meias-ponta-de-lança. Quatro vestiam a camisa 10 de seus times – Gérson (São Paulo), Pelé (Santos), Jairzinho (Botafogo) e Rivellino (Corinthians) – e um a oito – Tostão (Cruzeiro). E Clodoaldo, o principal marcador da equipe, jogava bola de meia-armador, tanto que atuou na posição contra a Romênia, quando Gérson e Rivellino, machucados, não puderam entrar em campo.
A seleção marcou 19 gols em seis jogos e bailou em campo.
Em 1974, a convocação reunia uma constelação de craques indiscutíveis – Rivellino, Paulo César Caju, Jairzinho, Marinho Chagas e Marinho Peres, Zé Maria, Nelinho, Carpegiani, Ademir da Guia, Leivinha, Piazza, Edu e ainda teve os que ficaram pelo meio do caminho, contundidos, Carlos Alberto e Clodoaldo –, embora a genialidade não fosse a mesma do selecionado de quatro anos antes.
Entre 1970 e 1974 a fama de retranqueiro colou em Zagallo, muito embora a seleção brasileira tenha sido escalada com várias formações, nenhuma exatamente para jogar atrás, esperando o adversário.
O desempenho sofrível na primeira fase da Copa e as derrotas para a Holanda, na semifinal, e para a Polônia, na disputa pelo terceiro lugar, marcaram profunda e negativamente a experiência de Zagallo à frente do selecionado nacional, a ponto de ofuscar a conquista do tricampeonato. O experiente treinador ficou praticamente como objeto velho esquecido em alguma prateleira de um quarto de entulhos.
Somente a classificação para o mundial de 1994 e o título conquistado após 24 anos reabilitaram o velho mestre, demonstrando que ainda era carta valiosa na mesa de jogo.