Do universal ao particular: o gesto de estirar o dedo
Estou há uns dois meses escrevendo um trabalho, fruto de minhas pesquisas de doutorado, sobre a Revolta de Juazeiro, levante ocorrido no Ceará, em 1914.
Há muitas histórias surreais relacionadas àquele movimento sedicioso.
Uma das mais engraçadas é a do “dedo do cotoco”, que me chegou por um amigo residente em Fortaleza.
No ano de 1912, o governador Antônio Pinto Nogueira Acioly foi deposto e assumiu no seu lugar, eleito, o coronel do exército Franco Rabelo, apoiado por um amplo leque de forças, entre as quais se destacava a burguesia comercial da capital e de alguns importantes centro interioranos.
Os aliados de Rabelo, assim que este se sentou na cadeira de governador, exigiram a ampliação do número de secretaria, de 6 para 12. O pleito garantia a acomodação dos principais grupos que estiveram ao lado do coronel do exército e o alçaram à governança estadual.
Não muito afeito às acomodações políticas em voga no Brasil de então – pouco mudou de lá para cá –, o novo governador não aceitou o engenho urdido nos bastidores, alguns de seus aliados criaram, em 1913, o partido marreta, que passou a lhe fazer ferrenha oposição.
Um leal adversário de Rabelo, Emílio Sá, dono de afamada padaria na Praça do Ferreira, não se conformava com a traição dos aliados, e prometeu um pão a quem xingasse um marreta que passasse em frente à padaria. Como os xingamentos não surtiram o efeito esperado, visto que os marretas faziam pouco caso, o comerciante chamou “Capitão Pirarucu”, famoso morador de rua de Fortaleza, e propôs:
– Quando passar um marreta aqui em frente, vamos fazer realizar um toque retal nele.
O “Capitão Pirarucu” era muito grande e forte. Detalhe: era maneta. Só tinha o braço direito.
Certo dia, o mendigo partiu para cima de um marreta que estava distraído, agarrou-o pelo braço, baixou-lhe as calças e enfiou o dedo médio em riste no ânus do marreta.
Os transeuntes adversários do marreta – e, dizem, até alguns aliados –, que passavam nas proximidades vibraram e aplaudiram delirantemente o famoso “Capitão”.
Humilhado por levar uma dedada de um homem “cotoco”, como se popularmente eram conhecidas as pessoas com alguma deficiência nos braços, o marreta não sabia onde se socar.
A população imediatamente passou a chamar o dedo médio do “Capitão Pirarucu” de “dedo do povo”; outros, de “dedo do cotoco”. Palavras de ordem passaram a fazer parte do cotidiano da capital cearense: “Onde está o dedo do povo?” ou “Onde está dedo do cotoco?” A resposta era quase sempre a mesma: “Está dentro dos orifícios rabinais dos marretas!”
O gesto do dedo médio em riste, uma criação universal https://super.abril.com.br/mundo-estranho/por-que-levantar-o-dedo-do-meio-e-considerado-ofensa/, popularizou-se ainda mais e ganhou um tempero cearense.
Sempre que passava um marreta, os seus adversários apontavam o dedo médio em sinal de desprezo.
Por Sérgio Trindade