Getúlio, o fauno-sátiro

por Sérgio Trindade foi publicado em 07.jun.20

Getúlio Vargas tem quatro tipos de biógrafos: inicialmente os chaleiras e os ressentidos e, posteriormente, os acadêmicos e os especialistas em construções biográficas.

Todos eles ao escreverem sobre o líder nascido nas coxilhas do Rio Grande do Sul terminaram por criar o perfil de pai dos pobres, de homem de fronteira, de raposa política e de esfinge e assim o fizeram porque se debruçaram sobre o homem político dado a negociações, a conchavos e a formulações de bastidores ou ao líder de massas.

Assis Chateaubriand dizia – e eu concordo – que existiam muitos Getúlios, que ele não era o bloco monolítico sobre o qual discorreu Alzira Vargas do Amaral Peixoto. O líder mineiro da República Velha e companheiro da aventura revolucionária de 1930, Antônio Carlos, disse que ele era uma espécie de nuvem que vem e logo some. Para Abelardo Jurema, Getúlio era um psicólogo, pois sabia ler a alma no rosto das pessoas. João Goulart, o herdeiro político, o definiu como homem-flexível, sempre pronto a ceder, se necessário.

Poucos chegaram a olhar o Getúlio da vida privada e, menos ainda, o da alcova, o líder político sempre pronto a transformar poder em sexo, o fauno/sátiro que arriava frente a uma mulher bonita e desejável.

São poucos os jornalistas e biógrafos que, ao se debruçarem sobre a vida de homens públicos e celebridades, expõem as entranhas de sua vida privada, como fizeram com a do jornalista e empresário Samuel Wainer, por exemplo, na esteira da crise que engoliu o governo do amigo Getúlio Vargas, na primeira da década de 1950, então casado com a deslumbrante Danuza Leão, alvo da sórdida campanha de Carlos Lacerda e aliados e apontado, sem prova ou indício algum, como o corno da Bessarábia, ou com a do irmão mais novo de Getúlio, Benjamin Vargas (Bejo), que tinha ficha de escândalos interminável, nela despontando a famosa noite em que ele e a filha do líder fascista italiano e mulher do ministro das relações exteriores da Itália, Eda Mussolini Ciano, tiveram uma tórrida noite de amor nas areias da praia de Copacabana, com direito a público.

Cherchez la femme, cherchez la femme.

Sátiros e faunos são frequentemente confundidos, porque são muito parecidos.

Enquanto os faunos são bípedes e semideuses descendentes do deus romano Fauno, com corpo meio bode e meio humano e simbolizam as festividades, que adoram festas, tocar instrumentos, beber e guiar viajantes pelas florestas, os sátiros, de origem grega, são divindades menores da natureza, com traços humanos e com cauda e orelhas de asno, narizes chatos, barba longa e o órgão sexual de dimensões acima da média, quase sempre ereto; são espíritos livres, espertos e barulhentos, que adoram vinho e perseguem as ninfas (mas também moças e rapazes) para copular.

A mitologia grega apresenta o bode como um ser sujo, lascivo e depravado.

As culturas grega e romana se amalgamaram e isso gerou grande confusão em relação a Fauno e aos mitos nos quais ele está envolvido, gerando vários faunos ao longo da história com nomes e características diferentes.

O cristianismo identifica os chifres com elementos demoníacos. O cordeiro era sacrificado para salvar a comunidade do pecado e a Igreja Católica, quando no início de sua formação, transformou divindades de um sem-número de legiões em demônios.

Nas religiões antigas, os chifres eram sinais de elementos divinos. Eram elementos do conhecimento e da sabedoria, da fartura, da força e do poder e patas de bode representavam a virilidade e a fertilidade, traços de quem precisa subir montanhas e devassar territórios.

Seres assim representavam a liberdade, a paz a harmonia na qual deveriam viver os homens. Representavam o sexo como fonte de prazer para os seres humanos, traços que levaram a Igreja a identificá-los com o Demônio e, portanto, inimigo a ser combatido e destruído.

Não é segredo para quem desfrutou da intimidade de Getúlio que a política mexia “com os seus hormônios e com suas fibras.”

Mestre na arte da política e espirito livre sem ser amante da liberdade, Getúlio Vargas era bem menos astuto no xadrez amoroso, pois, conhecedor das manobras masculinas, tinha dificuldades para compreender os meandros da mente feminina, não conseguindo antecipar-lhes os movimentos.

Não lhe faltaram alcoviteiros: Bejo Vargas, Iedo Fiúza, Gregório Fortunato, Lourival Fontes…

A lista das conquistas de alcova getulistas foi igualmente longa.

Virgínia Lane, musa do teatro rebolado, dona das mais belas pernas do Brasil e com quem o presidente prevaricou, em condomínio, com Jango; Maria Theresa, neta do ex-presidente Prudente de Morais, de quem ele dizia ter cheiro de café torrado, e que, mais tarde, fez-lhe cerrada oposição política, Aimée Sotto Maior, noiva e depois casada com Luís Simões Lopes, oficial de gabinete da Presidência da República, amante fixa desde a meados dos anos 1930 e companheira ainda à época do autogolpe (1937) e sua grande paixão, como é possível verificar no diários escritos por ele até 1942.https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2013/08/aimee-sotto-mayor-revelada-mulher-que-abalou-o-coracao-de-getulio-vargas.html

Ainda que a bem-amada tenha sido paixão avassaladora, não foi a única.

As mulheres continuaram, antes e depois, fascinando – e muito o presidente.

Mexericos dão conta que o Getúlio teve um longo e proveitoso caso com a jornalista integralista Rosalina Coelho Lisboa Larragoiti. http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364593168_ARQUIVO_VidaeobradeRosalinaCoelhoLisboa.pdf

À época do affair com Rosalina, uma anedota corria o Rio de Janeiro: “Vargas quer se separar de dona Darcy para ficar com a Rosalina. Que idiotice, porque por cima da Rosalina só não foi, ainda, o bonde da Light.”

Cherchez la femme, cherchez la femme.

O caso mais emblemático e rumoroso de Vargas foi com a poeta e escritora Adalgiza Nery, viúva do pintor Ismael Nery, mulher inteligente, culta, sofisticada e que, no final do anos 1930, casou-se com Lourival Fontes, o feio e poderoso chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).  

Alcoviteiro e marido complacente, era daí que vinha a força do torto Lourival.

O triângulo Vargas-Adalgiza-Lourival era tão conhecido no Rio de Janeiro que Osvaldo Aranha, ministro e amigo próximo de Getúlio, um dia chegou para o presidente e disse:

– Getúlio, andam falando que és amante de Adalgiza de Lourival.

 – Bobagem, Osvaldo, isso é coisa que o próprio Lourival anda espalhando só para se engrandecer.

– Mas é uma mulher e tanto, linda e brilhante.

– É o que sempre me diz o Lourival, finalizou a conversa Getúlio, esboçando um sorriso.

O fauno/sátiro do Catete teve vida de alcova tão movimentada quanto sua vida pública.

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