O capitão José da Penha
Nascido em Angicos, em 13 de maio de 1875, o capitão José da Penha Alves de Sousa, homem de caráter superior e extremamente talentoso, foi um dos mais aguerridos e entusiasmados partidários e propagandistas da candidatura de Hermes da Fonseca ao Palácio do Catete. Aqui no Rio Grande do Norte, estado no qual nasceu, apareceu como um bólido, combatendo tenazmente a oligarquia Albuquerque Maranhão, seguindo os preceitos da política das salvações, engenho político criado para destronar as oligarquias tradicionais que dominavam a política nos estados praticamente desde o início do período republicano. Até 1913, quando José da Penha se lançou à governança do Rio Grande do Norte, os candidatos ao governo do estado eram escolhidos em conchavos palacianos.
Como candidato oposicionista à governança estadual, José da Penha visitou vários municípios, despertando curiosidade e entusiasmo e sendo recebido como um líder que traria a liberdade, atraindo até a atenção das camadas populares, que, segundo Itamar de Souza, iam “ao seu encontro nas ruas, nas estradas, nas cidades e vilas”, manifestando admiração e carinho.
A campanha foi extremamente radical, apesar de gestos de civilidade, como o do governador Alberto Maranhão, quando José da Penha e seus partidários foram ameaçados em Macaíba (http://www.historiaegenealogia.com/2009/08/o-capitao-jose-da-penha.html). E enquanto o capitão viajava pelo interior do Rio Grande do Norte, fazendo discursos inflamados contra a oligarquia Albuquerque Maranhão, “os seus partidários eram presos, espancados, insultados e, em vários municípios, surrados com cipó de boi”, conforme cita Itamar de Souza, registrando, logo a seguir, que o quadro político se acirrou ainda mais depois que a polícia e aliados do capitão José da Penha se enfrentaram, de arma em punho, nas ruas de Nova Cruz.
Ao descer do trem na estação de Natal, na Ribeira, quando retornava de uma viagem ao interior, a multidão que aguardava José da Penha entrou em choque com o aparato policial comandado pelo major Soares. Houve tumulto e troca de tiros. O penhista Pedro Gregório acertou um balaço no tenente Luiz Júlio e foi alvejado por um soldado. A partir desse momento, a residência onde estava hospedado José da Penha passou a ser vigiada pela polícia e por forças federais, acirrando ainda mais os ânimos e resultando em novas escaramuças entre polícia e penhistas, que resultaram na morte de um civil e dois soldados feridos (um dos quais faleceu dias depois). Para evitar novas refregas, a casa foi invadida e lá recolhidos armamentos e munição. Alguns sublevados foram presos e posteriormente anistiados pelo governador.
No dia 25 de julho, Alberto Maranhão soltou uma nota na imprensa na qual solicitava que o capitão José da Penha fosse respeitado. No entanto, “sentindo-se preso na Capitania, o ‘salvador’ apelou para o Supremo Tribunal Federal que, através do Ministro Amaro Cavalcanti, concedeu-lhe o habeas corpus solicitado. Da Capitania dos Portos, ele veio morar na casa do Prof. Pedro Alexandrino, à Rua Vigário Bartolomeu”, registra Itamar de Souza.
Como não havia ninguém no Rio de Janeiro para fazer frente ao senador Pinheiro Machado, não obstante as tentativas do tenente Leônidas Hermes, filho do Presidente Hermes da Fonseca, restavam poucas alternativas ao capitão José da Penha para enfrentar os Albuquerque Maranhão. Politicamente isolado, em nível nacional, ele retirou-se da arena política potiguar, embarcando, no dia 27 de setembro de 1913, para Recife e, de lá, para o Ceará, onde reassumiu a cadeira de deputado estadual na Assembleia Legislativa e passou a confrontar a oligarquia Acioli.
Apesar de ter sido um entusiasta da candidatura presidencial de Hermes da Fonseca, José da Penha não aceitou se submeter às ordens do governo federal para permanecer à margem dos eventos que ocorriam no Ceará e revoltou-se com a inércia do governo federal. A sua chegada ao Ceará coincidiu com o embate entre as forças do governador Franco Rabelo e as tropas comandadas Floro Bartolomeu, aliado do padre Cícero. A ele, José da Penha, que tentara “salvar” o Rio Grande do Norte, não restou alternativa, exceto integrar-se às forças de Franco Rabelo.
Coube ao militar nascido em Angicos, Rio Grande do Norte, e parlamentar pelo Ceará, comandar as forças legalistas, depois que as duas primeiras expedições foram derrotadas pelas tropas de Floro Bartolomeu. Amedrontada, a população de Fortaleza festejou a escolha. Um estudioso da revolta que eclodiu em Juazeiro em 1913, disse que “José da Penha não era, absolutamente, um oficial vulgar, e jamais fizera de seus galões trampolim para alcançar posições políticas. Com efeito, saído de recente companha cívica no seu Estado, no curso da qual chegou a lutar de arma na mão contra a oligarquia de Pedro Velho, José da Penha, ex-aluno de Franco Rabelo, devia sua cadeira na Assembleia Legislativa do Ceará ao destemor e à lisura com que se portara no combate ao predomínio dos Acioli, o que lhe valeu atroz perseguição. Daí o seu prestígio em todas as camadas sociais de Fortaleza, onde se vinculara desde os tempos da extinta Escola Militar do Ceará”.
Mesmo estando com a saúde debilitada, o militar potiguar aceitou a incumbência, começando imediatamente o alistamento de voluntários, que se agregaram ao Segundo Batalhão Militar. E logo que a tropa estava organizada, José da Penha seguiu, no trem da Estrada de Baturité, da Rede de Viação Cearense, para Iguatu, na madrugada de 2 de fevereiro de 1914, com força de menos de 200 homens, chegando ao destino na manhã do dia 4, antes dos jagunços. Lá encontrou os soldados das expedições anteriores e iniciou os trabalhos de fortificação da cidade. Passou a tropa em revista e, depois, ordenou que dessem um passo à frente aqueles que não desejavam permanecer na luta ao lado das tropas do governo estadual. Quase todos os oficiais das expedições derrotadas abandonaram as fileiras e foram em pouco tempo enviados para Fortaleza, deixando o contingente com aproximadamente 380 homens, pouco para enfrentar a jagunçada enviada por Juazeiro.
Já antes, ao chegar a Iguatu, o militar potiguar desconfiou que o governo federal armara uma arapuca, pois o Ministério da Viação e Obras Públicas lançara resolução por meio da qual a estação de Iguatu ficou provisoriamente desativada, medida que, supôs José da Penha, tinha o objetivo deixar sua tropa ilhada, sem transporte por mais de cinquenta quilômetros, caso necessitasse de apoio ou mesmo bater em retirada pela via férrea. A situação exigia ação rápida e previdente, como a tomada pelo comandante: apoderar-se de um trem pagador estacionado em Iguatu e transferir o contingente militar para o norte, próximo a Miguel Calmon, onde seria possível preparar a estratégia defensiva, abrindo trincheiras junto à estação da estrada de ferro para enfrentar os rebeldes, que desde 3 de fevereiro partiram de Juazeiro.
Os jagunços avançaram em duas colunas, saqueando povoados e cidades e, dia 14, após a saída dos soldados de José da Penha, tomaram Iguatu. Pouco puderam fazer, dado o recuo tático empreendido por José da Penha. Somente no dia 21 (sábado), quase ao alvorecer, o ataque foi desfechado, em Miguel Calmon, por um grupo sob o comando de José Terto, contra a retaguarda a tropa de José da Penha, que, reforçada por soldados que abandonaram a farda em Barbalha e que haviam se reintegrado às tropas legalistas por respeito ao novo comandante, resistiu bem.
Ao ouvir os primeiros tiros por volta das seis e meia da manhã, José da Penha, apesar da forte chuva, montou em seu cavalo e, sozinho, dirigiu-se para o local de onde passou a comandar a resistência, seguindo depois para inspecionar outras posições também atacadas pelos revoltosos. Os soldados resistiram às investidas dos jagunços, que, ao anoitecer, suspenderam os tiros e retiraram-se com vários feridos, deixando mortos e baleados pelo campo, alguns já moribundos
Cessado o tiroteio, os soldados do governo sentiram a falta de José da Penha e, quase que imediatamente, foi executado o toque de “comandante-em-chefe”, enquanto os maquinistas tocaram os apitos dos trens, sem que o capitão aparecesse. Ao amanhecer, pequenas patrulhas saíram em todas as direções à procura do comandante, vasculhando todo o campo. Finalmente, avistaram o corpo do capitão José da Penha à margem direita da estrada de ferro, com duas perfurações – uma no crânio varado de um lado a outro e outra no ventre –, despojado de suas armas, do dinheiro que carregava, do relógio, de uma cruz de ouro e da aliança. O capitão cumpriu a declaração que fizera quando saiu Fortaleza: “Vou porque não posso faltar. E só voltarei vitorioso ou morto”.
A chegada do cadáver de José da Penha ao povoado deixou os soldados apavorados. Muitos corriam e se amontoavam no vagão do trem reservado para o transporte do corpo. Os revoltosos ficaram ainda mais motivados. Parecia não ser mais possível fazer as tropas leais a Franco Rabelo defenderem a ordem pública e voltarem ao combate.
A Zé Pinheiro, cangaceiro solto quando da invasão ao Crato e que andava para todos os lados com a carteira de identidade militar de José da Penha, foi atribuída a morte do capitão nascido no Rio Grande do Norte e eleito deputado estadual pelo Ceará, no quilômetro 337 da estrada de ferro que liga Miguel Calmon a Fortaleza, próximo à estação. Dali em diante, o caminho ficou aberto para as tropas rebeldes conquistarem Quixeramobim, Quixadá, Baturité, Redenção e outras até chegar a Fortaleza. O trem conduzindo o corpo do capitão José da Penha chegou dia 24 à Fortaleza, uma terça-feira de carnaval, 3h da madrugada. A cidade parou, a festança foi suspensa, comércio e cinemas fecharam as portas e o povo caiu num pranto coletivo e convulsivo, descreve Aluízio Alves, em trabalho biográfico sobre o militar angicano.