JK, a Operação Pan-Americana e a Aliança para o Progresso
Estou há uns meses mexendo e remexendo o texto de trabalho que publiquei na primeira metade da primeira década deste século sobre Aluízio Alves, o governador que pôs o Rio Grande do Norte, no início dos anos 1960, no século XX.
Quando comecei a mexer vagarosamente no texto, motivado por novas leituras feitas sobre a Aliança para o Progresso, programa lançado pelo Presidente dos Estados Unidos John Kennedy para carrear investimentos para a América Latina, visando combater a influência de ideias esquerdistas, o colega de profissão Paulo Caldas Neto me pediu para ler o trabalho de doutoramento dele, no qual discorreu sobre a obra de Augusto Frederico Schmidt, poeta, assessor informal do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e um dos responsáveis por ação que resultou numa crise política que desaguou na demissão de dois ministros do governo JK e fez o governos dos Estados Unidos ajustar a sua bússola diplomática.
Descobri a obra literária de Augusto Frederico Schmidt quando assisti a série da Rede Globo de Televisão sobre JK, em 2006. Dali em diante, o interesse pelos bastidores do governo JK passou a me chamar a atenção e como o poeta era atuante nos bastidores, resolvi lê-lo para entender a sua influência no governo do amigo.
Do início dos anos 1940 até sua queda em 1945, o Presidente Getúlio Vargas foi um aliado estratégico e conjuntural dos Estados Unidos. O seu sucessor, Eurico Gaspar Dutra, tornou-se um aliado incondicional e setores consideráveis da sociedade brasileira incorporaram o medo do comunismo como instrumento para vincular o Brasil à Pax Americana, aceitando a tese de que a economia brasileira e a economia norte-americana eram complementares. O modelo defendido dizia ser o Brasil um país de economia primária que deveria importar bens industrializado do grande aliado do norte.
Na década seguinte, com a ascensão de Vargas à Presidência da República, pelo voto direto, a aliança passou por sobressaltos e nem mesmo o curto intervalo que se seguiu ao período entre a sua morte e a posse de Juscelino Kubitschek, a situação anterior de aliança incondicional ou de resistência foi possível.
Ao chegar ao Palácio do Catete, JK procurou fazer uma política externa que estivesse a serviço do desenvolvimento econômico do Brasil justamente no momento que os Estados Unidos demonstraram certo desinteresse pela América Latina, aquilo que o historiador John Child chamou de negligência benigna, quando praticamente o único elemento com o qual Washington se importava era a segurança continental, abrindo espaço para que nas discussões nos fóruns internacionais fosse esboçado o caminho que desaguou no princípio de associação entre desenvolvimento e segurança econômica coletiva, base sobre a qual se ergueu o edifício da Operação Pan-Americana (OPA).
Perspicaz, JK entendeu como poucos o momento histórico e utilizou todos os mecanismos possíveis para contornar o tradicionalismo do Itamaraty e criar uma diplomacia paralela, e identificou no seu colega argentino Arturo Frondizi, desenvolvimentista como ele, um aliado de peso. Seria possível, pensava JK, realizarem “conversações (…) fora dos programas oficiais”, afinal ambos viviam “o drama de tentar conciliar a democracia e o desenvolvimento”.
JK queria – e para isso tinha a concordância do colega argentino e dos mandatários do Chile (Alessandri) e da Venezuela (Betancourt) – assegurar suporte financeiro dos Estados Unidos para investimentos na América Latina, por meio de empréstimos e de uma política que garantisse a valorização dos preços dos bens primários. Sem isso, a América Latina estaria fadada ao subdesenvolvimento e, por tabela, à sedução das ideias nacionalistas radicais e socialistas. No mundo bipolarizado da guerra fria, era risco potencial.
Quando estava indo para a metade do seu mandato, a oportunidade de pôr em prática os novos caminhos diplomáticos se apresentaram, quando, três semanas após viajar pela África, o Vice-Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon fez uma incursão pela América Latina, um périplo que incluiu Argentina, Colômbia, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.
Em Lima, primeira parada, o líder ianque foi vaiado por estudantes e sua comitiva foi bloqueada quando se dirigia à Universidade de São Marcos. A excursão foi suspensa e Nixon retornou ao seu país, sendo calorosamente recebido em Washington (https://elcomercio.pe/archivo-elcomercio/archivo/recibieron-limenos-vicepresidente-ee-uu-richard-nixon-1958-noticia-ecpm-629583-noticia/).
Percebendo o momento, Augusto Frederico Schmidt registrou: “Quando (…) Nixon começou a ser recebido com apupos e pedradas, foi um alarme e também um espanto. O Departamento de Estado estava certo de que nos proporcionava um tratamento ideal (…). Como sempre acontecia sob o governo republicano daquele país – só os fatos consumados importavam e ensinavam qualquer coisa à diplomacia americana.”
Era preciso tirar proveito da situação e Schmidt deu a ideia a JK para faturar politicamente com a desastrosa viagem de Nixon à América Latina, alertando os Estados Unidos dos riscos que corriam na região, se nada fizesse para superá-los. Era a base factual sobre a qual foi erguida a OPA, nascida do mais profundo “medo de uma frustação histórica”, tendo em vista as nações da região estarem “amarradas ainda a uma infraestrutura econômica frágil e insuficiente para a construção de uma verdadeira atividade industrial. (…) As nações latino-americanas – exportadoras de matérias-primas ou produtos primários – foram forçadas a se dar conta de que não ocupavam qualquer lugar de relevo na atualidade. Emergiam os nossos países, enfim, de um longo exílio na inobjetividade.”
Para superar a letargia diplomática, dizia Schimidt, só se JK estabelecesse um canal diplomático direto, passando por cima do Itamaraty, com o Presidente Eisenhower. Sem titubear, JK mandou carta, por Vítor Nunes Leal, ao colega norte-americano e desencadeou crise interna que levou à demissão do Ministro da Fazenda José Maria Alckmin e do Ministro das Relações Exteriores Macedo Soares, substituídos respectivamente por Lucas Lopes e Negrão de Lima.
Com idas e vindas, a atuação de JK fez os Estados Unidos olharem com mais cuidado para a América Latina, olhar que ficou ainda mais aguçado depois que Fidel Castro, à frente dos guerrilheiros de Sierra Maestra, derrubou o ditador Fulgêncio Batista e caiu nos braços da União Soviética.
Quando da morte de JK, em 1976, John Cabot, embaixador dos Estados Unidos no Brasil durante os anos que o diamantinense esteve à testa do governo brasileiro, afirmou que a OPA, de início ignorada pelos Estados Unidos, foi adotada a partir da gestão Kennedy, que copiou “tudo de Kubitschek para fazer a Aliança para o Progresso.”
Mas isso é outra história.